As memórias que guardamos da infância são evanescentes, como
sonhos, como bolas de sabão levitando pelo ar. Mas, de todas, talvez as mais
impressivas sejam as dos verões. Os verões de criança feitos invariavelmente de
mar, de areia da praia e dos ramos das árvores do jardim que trepamos. Aqueles
infindáveis verões, meses corridos, de junho a setembro, feitos da mais pura
liberdade, inconsciência e infância. Os verões em que corríamos descalços pelas
pedras, negras, quentes e pontiagudas. Dávamos mergulhos na água fria.
Apanhávamos escaldões e erámos tão absolutamente descomprometidos como o ritmo
da espuma das ondas que se abatia, em sons, nas pedras durante a noite,
entrecortada de quando em vez pelo vôo tonitruante dos cagarros. Talvez a
canção que melhor resume esse sentimento de mágico encantamento das férias de
verão seja The Summerhouse. Oitavo tema do terceiro álbum da banda The DivineComedy. “Do you remember / The way it used to be / June
to September / In a cottage by the sea […] Distant cousins, local kids / We
climbed every tree together / And it never ever rained / 'Til we climbed back
on the train / That would take us so far away / From the village and the bay /
And the summerhouse / Where we found new games to play […] Do you remember /
Sunday lunch on the lawn / Daring escapes at midnight / And costumeless bathes
at dawn. […] You were only nine years old / And I was barely ten / It's kind of
weird to be back here again / Do you remember / The summerhouse...?” Promenade foi lançado pela
editora de culto Setanta, em 1994, tinha eu vinte anos e estava a meio de uma
entediante licenciatura. 94 não era já o ano das guitarras, mais ou menos
alternativas, ou das excessivas rebeldias de um Nevermind dos Nirvana. 94 foi o
ano de Lisboa Capital da Cultura e da sensação de que tudo estava ao nosso
alcance, nada nos podia parar. Pode ser estranho que a melancólica música de
Neil Hannon e Joby Talbot, uma espécie de plágio Pop de Michael Nyman, se
adeque a essa sensação de invencibilidade pós-adolescente. Mas, para mim, nessa
altura, era exactamente esse reconhecimento da perenidade das memórias dessa
infância, mais ou menos etérea que, não só se manifestava naquele disco, como
nos permitia abraçar o futuro, como se de um mergulho nas tranquilas águas dos
verões passados na meninice se tratasse.
Em escuta: The Divine Comedy - Promenade
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