O abismo
Ao fim de um tempo há uma espécie de torpor que se instala no
corpo, uma imobilidade física e emocional, que bloqueia os movimentos e a
esperança. Ao fim de um certo tempo nada nos comove, já escutamos as notícias
como num leve zumbido, uma surdina a que os ouvidos se acostumaram e que está
lá, latente, como um espectro nas costas da cabeça. Os olhos fitam o horizonte
e há como que um peso nos músculos, uma dormência que nos prende, uma
anestesiada insensibilidade aos acontecimentos, à retórica vazia e repetitiva
dos políticos, à apatia dos dirigentes que vão maquinalmente digitando ordens
nos seus teclados, aos números, sempre maiores, às estimativas, cada vez
piores, ao agigantar inexorável da enorme crise, a maior de todas, aos zeros
infinitos e sem dimensão dos milhões, e biliões, e triliões, e um número tão universal
e infindável que não tem plural. A partir de um certo momento é como se desligássemos,
como se já não quiséssemos saber. Como se tudo fosse negro e sem luz. Como se
toda a sociedade se lançasse num enorme e oceânico suicídio colectivo. Uma precipitação
voluntária no abismo. A catástrofe já está aí e cresce a cada dia, metastisando-se
como um cancro, e quando Outubro chegar já será tarde demais.
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