quarta-feira, 12 de março de 2025

Speakers' Corner 23

Restauração Democrática

No próximo ano comemorar-se-á o centésimo aniversário do 28 de Maio de 1926, o funesto golpe de estado que pôs fim à Primeira República e abriu a porta para os 48 anos de ditadura do Estado Novo. A história da Primeira República foi marcada por uma permanente e agitada convulsão política e social. Do fervor republicano ao sidonismo, passando pelas tentativas de reinstituição da monarquia, do anticlericalismo ao esforço de recuperação económica, passando pelos enormes abalos globais da Grande Guerra e da Gripe Espanhola, o sonho republicano, que atravessou o país como uma honrosa utopia progressista, cedo se tornou numa enorme balburdia que gerou nada mais do que 49 governos, 40 chefes de governo e 29 tentativas de golpe de estado, duas delas em 1925, a primeira das quais, a 18 de Abril, liderada por um hoje desconhecido Filomeno da Câmara de Melo Cabral, oficial da Armada, natural deste bucólico concelho de Ponta Delgada e cujo nome herdara de seu pai, famoso médico e hidrologista, pioneiro do termalismo nas Furnas.

A ideia, elaborada por Hegel, de que a história se repete sempre duas vezes e glosada depois por Marx, de que esta se repetia primeiro como tragédia e depois como farsa, e a que Mark Twain responderia mais tarde com a sua máxima de que a história não se repetiria, mas que rimava, tem perpassado pela filosofia ao longo dos tempos e surge hoje, no atual estado do mundo e do país, com particular acuidade e pertinência. Quem siga, mesmo que distraidamente, o rumo do mundo e da nação não pode deixar de ler estranhas e impressionantes semelhanças entre 2025 e 1925, ao ponto de se poder, justificada e apropriadamente, citar o refrão desse dançante tema da banda inglesa Propellerheads, na voz da cintilante Shirley Bassey, “it's all just a little bit of history repeating”.

Se a presente crise da democracia portuguesa se repetirá, ou não, numa nova deriva totalitária é ainda cedo para dizer, mas que há algo neste desvario político moderno que rima com a ebulição republicana, isso é inegável. Não vale a pena elaborar mais nos desmandos de Luís Montenegro, entre a empresa familiar e os buracos de golfe com grandes empresários do Norte que, alegadamente, o manteriam no rol das avenças à renda de 9 a 15 mil euros mensais. Mas esta promiscuidade entre política e negócios, e a consequente fuga para a frente do primeiro-ministro, que coloca o país perante uma instabilidade política preocupante, 3 eleições em pouco mais de 3 anos, é em tudo semelhante às tumultuosas primeiras décadas do século vinte português.

Também não é fácil antever o que sairá destas novas eleições. Como irá o cansado eleitorado reagir a mais esta estultícia da política nacional? Será Montenegro penalizado ou irá o eleitor fazer vistas largas à ampla e largamente flexível espinha ética do líder da AD? Conseguirá Pedro Nuno Santos fazer esquecer as improbidades do costismo ou o arrivismo juvenil do líder do PS continuará a afastar de si os eleitores do centrão? Não vale a pena arriscar em previsões, nestas eleições inesperadas e em grande medida indesejáveis, mas não é preciso ser vidente para pressentir que o caldo está propício é para os Venturas, com ou sem criancinhas nas malas, e para os Almirantes, com as suas sebastiânicas e retrógradas alocuções à grandeza pátria, tão assustadoramente próximas de 1926.

A única redenção para este pântano em que o país está novamente mergulhado é a sublevação dos moderados, a revolta dos democratas e a afirmação firme daqueles que ainda acreditam que é na ética republicana e na moral pública que reside a essência da democracia representativa. Este Maio que aí vem, terá forçosamente de marcar o ponto de partida para essa verdadeira Restauração Democrática que o país tão urgentemente precisa, sob o risco de, ao revés, nos projetarmos outra vez num longo, árduo e imprevisível inverno democrático…

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