Restauração Democrática
No próximo ano comemorar-se-á o centésimo aniversário do 28
de Maio de 1926, o funesto golpe de estado que pôs fim à Primeira República e
abriu a porta para os 48 anos de ditadura do Estado Novo. A história da Primeira
República foi marcada por uma permanente e agitada convulsão política e social.
Do fervor republicano ao sidonismo, passando pelas tentativas de reinstituição
da monarquia, do anticlericalismo ao esforço de recuperação económica, passando
pelos enormes abalos globais da Grande Guerra e da Gripe Espanhola, o sonho republicano,
que atravessou o país como uma honrosa utopia progressista, cedo se tornou numa
enorme balburdia que gerou nada mais do que 49 governos, 40 chefes de governo e
29 tentativas de golpe de estado, duas delas em 1925, a primeira das quais, a
18 de Abril, liderada por um hoje desconhecido Filomeno da Câmara de Melo
Cabral, oficial da Armada, natural deste bucólico concelho de Ponta Delgada e
cujo nome herdara de seu pai, famoso médico e hidrologista, pioneiro do
termalismo nas Furnas.
A ideia, elaborada por Hegel, de que a história se repete
sempre duas vezes e glosada depois por Marx, de que esta se repetia primeiro
como tragédia e depois como farsa, e a que Mark Twain responderia mais tarde
com a sua máxima de que a história não se repetiria, mas que rimava, tem
perpassado pela filosofia ao longo dos tempos e surge hoje, no atual estado do
mundo e do país, com particular acuidade e pertinência. Quem siga, mesmo que
distraidamente, o rumo do mundo e da nação não pode deixar de ler estranhas e
impressionantes semelhanças entre 2025 e 1925, ao ponto de se poder,
justificada e apropriadamente, citar o refrão desse dançante tema da banda
inglesa Propellerheads, na voz da cintilante Shirley Bassey, “it's all just
a little bit of history repeating”.
Se a presente crise da democracia portuguesa se repetirá, ou
não, numa nova deriva totalitária é ainda cedo para dizer, mas que há algo
neste desvario político moderno que rima com a ebulição republicana, isso é
inegável. Não vale a pena elaborar mais nos desmandos de Luís Montenegro, entre
a empresa familiar e os buracos de golfe com grandes empresários do Norte que,
alegadamente, o manteriam no rol das avenças à renda de 9 a 15 mil euros
mensais. Mas esta promiscuidade entre política e negócios, e a consequente fuga
para a frente do primeiro-ministro, que coloca o país perante uma instabilidade
política preocupante, 3 eleições em pouco mais de 3 anos, é em tudo semelhante às
tumultuosas primeiras décadas do século vinte português.
Também não é fácil antever o que sairá destas novas eleições.
Como irá o cansado eleitorado reagir a mais esta estultícia da política
nacional? Será Montenegro penalizado ou irá o eleitor fazer vistas largas à ampla
e largamente flexível espinha ética do líder da AD? Conseguirá Pedro Nuno
Santos fazer esquecer as improbidades do costismo ou o arrivismo juvenil do
líder do PS continuará a afastar de si os eleitores do centrão? Não vale a pena
arriscar em previsões, nestas eleições inesperadas e em grande medida
indesejáveis, mas não é preciso ser vidente para pressentir que o caldo está
propício é para os Venturas, com ou sem criancinhas nas malas, e para os
Almirantes, com as suas sebastiânicas e retrógradas alocuções à grandeza
pátria, tão assustadoramente próximas de 1926.
A única redenção para este pântano em que o país está novamente
mergulhado é a sublevação dos moderados, a revolta dos democratas e a afirmação
firme daqueles que ainda acreditam que é na ética republicana e na moral
pública que reside a essência da democracia representativa. Este Maio que aí
vem, terá forçosamente de marcar o ponto de partida para essa verdadeira Restauração
Democrática que o país tão urgentemente precisa, sob o risco de, ao revés, nos
projetarmos outra vez num longo, árduo e imprevisível inverno democrático…
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