Uma abstenção passivo-agressiva
De acordo com os dados mais recentes, a execução financeira
das verbas do PRR estava, no país, reportada a novembro último, na ordem dos
45%, e na região, segundo dados do 1.º trimestre de 2025, nuns envergonhados
37%. Convém lembrar que, impreterivelmente, todos os contratos do PRR terão de
estar finalizados até agosto de 2026 e a sua execução financeira concluída até
dezembro do mesmo ano, ou seja, dentro dos próximos 12 meses.
Este pacote financeiro mastodôntico de mais de 22 mil
milhões de euros a nível nacional e 725 milhões para a região, criado pela
União Europeia na esteira da calamidade pandémica, que primeiro foi bazuca e
depois vitamina, corre afinal o risco de se tornar um pífio “Viagra” de
contrafação, cujo efeito real na economia promete ficar dolorosamente aquém dos
seus objetivos iniciais.
Ainda esta semana, Pedro Dominguinhos, presidente da
Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, chamou a atenção para as crónicas
dificuldades nacionais de planeamento e para os riscos de a execução do plano
vir a afetar de forma muito negativa setores essenciais como a educação e a
saúde. Também na região, o Conselho Económico e Social dos Açores tem repetido
alertas para os atrasos e dificuldades na execução dos envelopes financeiros,
recomendando “particular atenção sobre estes dados, para que a execução do PRR
não se revele mais um problema, em vez da solução de alto impacto inicialmente
prevista”.
Na semana passada, no debate final da proposta de Plano e
Orçamento da Região, Berto Messias, novo líder parlamentar do Partido
Socialista, depois de fazer duras críticas ao Governo Regional, várias delas
amplamente legítimas, sobretudo no que toca à execução dos fundos europeus, acabou
por justificar a abstenção do seu partido com a necessidade de a região não
desperdiçar “um único euro” do PRR e do Açores 2030.
Ora, o problema é a profunda incoerência entre o discurso e
o voto e os seus efeitos reais na vida política regional. A percepção dominante
entre a opinião pública e a publicada é a de que existe um descalabro evidente
na governação. A situação financeira aproxima-se perigosamente de uma
pré-catástrofe, e o Governo não demonstra capacidade para inverter o rumo. A
SATA, a dívida, o turismo em queda precipitada, compõem o cenário claro de uma
bomba-relógio económico-financeira prestes a explodir nas mãos do açoriano
comum, para quem o PRR e o Açores 2030 são mais miragens do que vantagens.
Perante isto, o principal partido da oposição parece mais
preocupado com a sua própria sobrevivência do que com a subsistência da região.
Num tempo em que se discursa abundantemente sobre a “credibilização” dos
agentes políticos, sobre a necessidade de combater os populismos e a
polarização, o PS-Açores optou pela velha arte do calculismo eleitoral de criticar
com convicção para, logo a seguir, viabilizar a governação.
E é precisamente aqui que se revela a fratura mais profunda
da nossa vida política regional que, tal como a nacional, tem sacrificado a
ideologia e a coerência à tática e ao cálculo. Critica-se o Governo com
veemência discursiva para, instantes depois, lhe segurar a escada na esperança
de não se perder o lugar. Esta duplicidade, embrulhada em justificações
piedosas, corrói o próprio conceito de serviço público e, o mais grave,
aprofunda o descrédito dos cidadãos perante os políticos.
Os partidos perderam a noção de que existem para servir e
lutar pelas ideias que dizem representar. Em vez disso, movem-se numa
coreografia permanente de estratégias, sondagens, lugares a distribuir e
equilíbrios internos a manter, num xadrez onde o povo serve mais de peão do que
de razão de ser. E enquanto esta cultura política persistir, o que está
verdadeiramente em risco não é apenas a execução do PRR, e dos milhões que a UE
nos acena como uma cenoura encantada, mas a própria possibilidade de fazer da política
um ato de coragem, responsabilidade e verdade.

