Nas últimas semanas a agenda noticiosa viu-se tomada pelas discussões do
Orçamento. O assunto, já estéril de si, tornou-se ainda mais esdrúxulo com a
sua redução ao ping-pong dos cifrões e, pior, à ausência de questões. No atual
discurso político e jornalístico, os debates sobre planos e orçamentos
tornaram-se numa batalha de milhões para cá, milhões para lá, sem explicação ou
contraditório. Investimento, receita, défice e outros tantos jargões de
economicês são, hoje, a litania dos tarefeiros da politiquice e dos precários
do jornalismo. Os governos anunciam não sei quantos milhões para isto e aquilo,
sem indicar como, nem onde, nem, mais importante, porquê e para quem, e os
jornalistas, que deviam, obrigatoriamente, fazer a destrinça, engolem e não
questionam. É como se as nossas vidas, as pessoas e toda a sociedade, se pudessem
reduzir a folhas de Excel, convenientemente formatadas e incontestáveis. São
aos pontapés os exemplos de cifrões atirados ao ar pelos gabinetes de
comunicação, que depois tem explicação zero… Ou, então, o exemplo do
Vice-presidente que anuncia a pretensão de limitar a 12 anos o tempo máximo de
desempenho de cargos de chefia na Administração pública e ninguém pergunta como,
nem porquê ou, já agora, porque não o mesmo limite para o desempenho do cargo
de vice-presidente?
quinta-feira, 30 de novembro de 2017
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
Café Royal XLVII
Fim da Utopia?
Um dia os historiadores dirão que foi a maior Utopia do século. O Estado
Social, nascido da devastação da guerra, mas alicerçado na luta liberalismo vs.
socialismo, visava garantir a paz e o bem-estar, colocando o Estado, ou a
governação, como garante das necessidades elementares da população - Educação,
Saúde e Trabalho (ou welfare na aceção
anglo-saxónica). Um estado, não necessariamente igualitário, mas,
fundamentalmente comunitário, onde, independentemente das diferenças entre as
pessoas, o bem-comum é a argamassa que nos une, em sociedade. Estará o Estado
Social morto? Olhando os sinais, somos tentados a pensar que sim. Corrupção,
desigualdades, insegurança, desemprego, especulação financeira, individualismo,
egoísmo, etc. São inúmeros e assoberbantes os ingredientes da sopa cultural em
que vivemos e que indiciam o estado moribundo desse ideal. Neste tempo de supremo
egocentrismo, a razão de ser de cada um é ele e não o outro. A governação é
eleitoral. Os interesses corporativos sobrepõem-se aos comunitários. O capital
extingue o humano. Insuflados de nós próprios, deixamos de cuidar da Terra e uns
dos outros, esquecendo que, e citando John Donne, “nenhum homem é uma ilha,
cada homem é um pedaço do continente, estamos todos envolvidos na humanidade”.
quinta-feira, 16 de novembro de 2017
Café Royal XLVI
No Café,
a malta não tem Twitter. Não surfa a rede e emprenha pelas redes sociais.
No café, entre duas minis e um pingado, a malta olha os dias entrecortados de
chuva e sol e sente a mudança do clima na força do mar que bate nas rochas. Não
são precisos vídeos do Youtube para perceber a seca ou a chuva que já não chega
na estação certa. No café, o Panteão é o da memória. Das histórias partilhadas
que fazem viver os exemplos dos que nos precederam. Das imagens que se guardam
e se transmitem pelas gerações. No café não há sarcófagos invioláveis e
estátuas sacralizadas, como nas mais inefáveis ditaduras. No café, a malta
espreita os rodapés dos noticiários e suspira. Que país este em que se perdem
dias e horas a debater o supérfluo. Onde pessoas, na sua desgraça, são selfies
para um presidente que fez da vaidade um argumento político. Onde o primeiro-ministro
não se sabe dar ao respeito de não mentir e, principalmente, não governar pelo
vento do Facebook. Onde se consegue auditar um Orçamento em 48 horas e
secretários regionais resumem as nossas vidas a mais ou menos milhões de
questionáveis investimentos, como se as nossas vidas se pudessem resumir a
meros cifrões feitos lápides no cemitério árido da eleitoralice…
quinta-feira, 9 de novembro de 2017
Café Royal XLV
Do alheamento
De uma chaminé alta e metálica sai vapor. Invisíveis, as bactérias flutuam
pelo ar. Pessoas morrem. Numa igreja, familiares choram a morte e indivíduos
cumprem, automatizada e absurdamente, a ordem de recolher os corpos em sacos de
plástico. Num pavilhão, centenas de seres (supomos que) humanos ouvem
embasbacados as palavras de uma máquina quase humana. Num hospital, há mais de trinta
seres ainda humanos infetados por um vírus, criado por aparelhos de ar-condicionado
que, em ambientes toxicamente climatizados, pretendem defender-nos de sentir a
passagem das estações. É esta a crónica do nosso tempo, o tempo do alheamento,
da ausência de Humanidade no Humano. Ébrios de tecnologia, perdemos a noção de
nós e do outro, dos princípios básicos do que nos faz Seres Humanos, do que nos
impede de ser meros animais ou autómatos. Coisas tão simples como respeito,
sensibilidade, até mesmo compaixão e amor. As nossas sociedades tornaram-se tão
mecânicas que a pessoa responsável por libertar uma verba financeira contamina
a pessoa responsável por fazer uma vistoria, que contamina a pessoa que morre,
que contamina a pessoa que ordena a interrupção de um velório, esquecendo-se,
todas elas, que do outro lado das suas ações estão outras pessoas, numa
corrente perpétua de obsceno alheamento…
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
Café Royal XLIV
Liderança
“Liderem-me, sigam-me, ou saiam-me da frente!” é uma frase atribuída ao
General Patton, uma das grandes figuras da II Grande Guerra. Patton destingiu-se
pela forma destemida como comandou os exércitos americanos em diferentes campos
de batalha, no norte de África, no Mediterrâneo e na Normandia. Mas a sua
imagem ficou também marcada pela forma como se dirigia às tropas em discursos
pouco ortodoxos, mas altamente motivacionais: “as guerras ganham-se fazendo com
que os outros cabrões morram pela sua pátria e não nós!”. Esta evocação do
famoso general vem a propósito não de Marcelo ou Costa (ou Rio e Santana…) ou
de outros pequenos lideres que pululam pelo país (e pelos verdes pastos das
ilhas), mas sim do Sr. Puigdemont da Catalunha. Aquilo a que temos assistido é
à demonstração paradigmática de como não há revoluções sem líderes e de que não
é líder quem quer, mas quem o traz dentro de si. A forma acanhada e cambaleante
como o Sr. Puigdemont tem tentado liderar a questão catalã é penosamente
reveladora de como o tacticismo político, por melhor que sirva na gestão de
assuntos palacianos, é a antítese da bravura e da intuição que se exigem aos
grandes lideres nos grandes momentos. Olhando em volta, cá e lá, vemos enormes
desafios, mas pequenos lideres. Que a sorte nos acompanhe…
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