Se nomearmos Machico, freguesia
da costa nordeste da ilha da Madeira, todos, ou quase todos, se lembrarão de
Cristiano Ronaldo. Depois lembrar-se-ão vagamente da injusta fama dessa que é conhecida
como uma das freguesias mais pobres da ilha e do país. Mas, como pode ser pobre
uma terra que deu, que dá, a Portugal dois dos seus maiores expoentes vivos?
Dois? D. José Tolentino de Mendonça, nascido há 53 anos nessa mesma freguesia,
foi nomeado esta semana arquivista do Arquivo Secreto do Vaticano e
bibliotecário da Biblioteca Apostólica. Simplesmente um dos mais importantes e
significativos cargos da Igreja Católica e, mais importante ainda, guardião da
chave para aquele que é certamente o maior e mais completo cofre de segredos, sabedoria,
conhecimento e cultura de toda a Humanidade. A biblioteca do Vaticano,
oficialmente criada em 1450 pelo Papa Nicolau V, guarda no seu interior
milhares de códices e incunábulos, remontando aos primórdios da fé cristã e acompanhando
a História do Saber (ou da Verdade enquanto sentido da Vida…) até aos nossos
dias. Não desmerecendo CR7... mas, parabéns ao poeta Tolentino de Mendonça.
quinta-feira, 28 de junho de 2018
quinta-feira, 21 de junho de 2018
Café Royal LXXVII
A desumanização
Após a chegada aos
campos, transportadas, aos milhares, em vagões de gado, as pessoas eram
separadas em duas filas, homens e mulheres. Eram depois inspecionados por
médicos. Todos os maiores de 14 anos, considerados aptos para “trabalhar”, eram
postos de um lado. Os restantes iam para as câmaras de gás. Em “Sophie’s Choice”, filme de Alan J.
Pakula, este drama de separação e morte, de animalesca desumanização do Ser, é
individualizado de forma pungente por Meryl Streep, Sophie, uma emigrante
polaca na América do pós-guerra, que carrega permanentemente dentro de si a
insuperável culpa da sua escolha. Ao chegar a Auschiwtz, Sophie é forçada pelos
SS a escolher qual dos seus dois filhos irá morrer e qual irá “viver”. Setenta
anos depois, assistimos, com pasmo e pavor, a barcos com migrantes a serem
impedidos de atracar em portos europeus, ao recenseamento e expulsão de
minorias ciganas, e a crianças a serem separadas dos pais na fronteira dos EUA.
Uma reprodução insana e incompreensível da bárbara desumanização a que
assistimos no passado e que nos coloca perigosamente próximos desse horror
absoluto que creríamos irrepetível.
quinta-feira, 14 de junho de 2018
Café Royal LXXVI
El Dorado
Recentemente, e bem, o Governo
dos Açores declarou querer reclamar para si uma mais ampla intervenção na
gestão do Mar, ciente certamente do enorme poder que os recursos marinhos representam.
Só que, como diz o velho aforismo, “com
grande poder vem grande responsabilidade”. De todos os recursos à
disposição no oceano, aquele que desperta maior cobiça é a mineração profunda,
uma indústria tão futurista que os seus reais impactos, tanto no meio ambiente
como na sociedade, são, ainda, em larga medida, uma incógnita. Quando o Governo
Regional exclama que quer governar o Mar tem a obrigação de, ao mesmo tempo,
dizer claramente como e para quê. Exige-se um debate transparente sobre que
intenções existem nesta matéria e uma rigorosa avaliação dos seus impactos. Seja
nos ecossistemas. Na migração dos grandes cetáceos. No tipo de infraestruturas de
apoio que são necessárias em terra. Ou, quais os seus impactos, por exemplo, no
Turismo? Olhar para o azul do mar como uma espécie de El Dorado é correr o
risco de nos afogarmos numa nova febre do ouro…
sábado, 9 de junho de 2018
Mix Tape 1
Track 1 – Intro
Em criança todos construímos castelos, nem que sejam
imaginários. No quarto, com almofadas e cobertores, rearranjando os moveis,
construímos fortes para batalhas épicas e palácios com príncipes e princesas.
Nos jardins, com ramos e folhas e canas, erguemos cabanas, westerns sonhados de
índios e cowboys. Frágeis, mas magníficos, teatros de sonhos. Ao longo da vida,
a criação do gosto, é um pouco como esses castelos. Uma arquitectura de
memórias. Com o passar dos anos vamos construindo uma enorme Torre de Babel
interior de referências, vivências, momentos. Catalogando cada um com uma
determinada banda sonora. Como o desenhar de um mapa, traçando as diferentes
latitudes e longitudes da vida. Azimutes e esquadrias. São assim os meus
castelos, um caleidoscópio de gostos, que se desenham numa argamassa, mais ou
menos caótica de géneros, de sul para norte, este para oeste, um planisfério
sentimental de lembranças, que vão de Guns N’ Roses a Stone Roses, de Camané a
Kronos Quartet. Numa navegação sentimental através do oceano dos sons, imenso
corpo de água, pontilhado de ilhas míticas, apenas alcançáveis pela leitura das
estrelas. Há vinte anos atrás, naquele que foi um dos dois momentos mais
importantes da minha vida até hoje, passei longos meses a viajar sozinho na
Califórnia e no México. De mochila e pranchas às costas e com um Discman Sony e
um estojo de CD’s. Se fechar os olhos ainda consigo sentir o balançar ritmado
dos autocarros, nas longas travessias noturnas entre misteriosas cidades
mexicanas e vejo, nitidamente, como estrelas na noite, os cd’s dentro desse
estojo: Tarantula dos Ride; o primeiro álbum dos Stone Roses; Grace do JeffBuckley; Sketches of Spain de Miles Davis; Five Tango Sensations de AstorPiazzolla e Kronos Quartet; Chet Baker Sings. E outros, que formam as paredes dessa
construção elíptica, espécie de confluência entre as escadas de Escher e a
infinita biblioteca de Borges, que é a recordação dessa viagem, ou que é,
afinal, a solidificação mental dessa experiência em tudo o que ela teve de
concretização e consubstanciação de todo o meu percurso de vida e que fica,
para sempre, marcado por essa colecção de sons. Mas a construção do gosto é,
também, uma construção de relações humanas, de emoções, de paixões. Gestos
puros e iniciais, como a oferta materna dessa viagem, como forma de libertação
individual, ou a partilha, entre um pai e um filho, do gosto pela boa música e
do que ela representa enquanto experiência verdadeira da natureza do belo e da
sua importância basilar na vida.
quinta-feira, 7 de junho de 2018
Café Royal LXXV
A doença
O fim era tão
inexoravelmente previsível que quando a notícia surge a gordas já não provoca
espanto. “SINAGA vai ser arrasada e
espaço deverá ser loteado” dizia a manchete. Os Açores sofrem, desde
sempre, de uma doença crónica: a “síndrome do desenvolvimento sustentável”.
Todos os estudos são unânimes em apontar a diversificação, a especialização e
produtos de valor acrescentado como o único caminho a seguir. E estas
“guidelines” são válidas para todos os sectores. Seja no Turismo, na
Agricultura, na Ciência ou na Cultura. Mas, o que o fim dantesco da saga da
SINAGA vem provar é que a Região, como um todo, não é capaz de seguir nenhuma
delas. Não soubemos diversificar, não soubemos criar valor acrescentado e vamos
arrasar uma indústria histórica para construir uma urbanização incaracterística,
num gesto de completo e inadmissível desrespeito pelas pessoas, pela memória e,
acima de tudo, pelo Futuro. Citando Joni Mitchell, pavimentaram o paraíso e
construíram um parque de estacionamento. Provavelmente até terá uma rua com os nomes
dos responsáveis por esta política em que tudo é descartável…
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