quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Café Royal CXXXVII


Mar

Atravessando a janela, indo para lá das recortadas folhas da árvore da borracha, os olhos mergulham na visão do mar. E o mar, pleno e omnipresente, como que entra pela casa, inundando os espaços com os seus sons sincopados e os vários cheiros da maresia. A própria casa, espécie de barco ancorado nas rochas, salpicada constantemente pela espuma das ondas, é uma extensão do oceano, num eterno e imperturbável enlace, uma jura de amor, um casamento para a vida. Por vezes, questiono-me se foi a casa que nos escolheu a nós. Se, ao contrário de Ulisses, sucumbimos ao seu cântico e naufragamos aqui, nestes muros, nestas paredes, janelas e varandas debruçadas sobre o imenso azul do oceano. Ou, pelo contrário, se fomos nós que aqui decidimos aportar, caminhando para o mar pelo verão, como no verso de Ruy Belo. Para sermos, tal como a casa, parte permanente do mar. Constante e quotidianamente líquidos e ondulantes, plenos. Sim, porque o mar é a antítese do vazio. O mar enche, envolve, o mar abraça. O mar abraça-nos na sua frequência cintilante e acolhe-nos nos seus quentes reflexos de Sol. Nós, não somos pó, somos mar. Do mar viemos e ao mar retornaremos, perpetuamente.


Sem comentários: