Mar
Atravessando a janela, indo para lá das recortadas folhas da
árvore da borracha, os olhos mergulham na visão do mar. E o mar, pleno e
omnipresente, como que entra pela casa, inundando os espaços com os seus sons
sincopados e os vários cheiros da maresia. A própria casa, espécie de barco
ancorado nas rochas, salpicada constantemente pela espuma das ondas, é uma
extensão do oceano, num eterno e imperturbável enlace, uma jura de amor, um casamento
para a vida. Por vezes, questiono-me se foi a casa que nos escolheu a nós. Se,
ao contrário de Ulisses, sucumbimos ao seu cântico e naufragamos aqui, nestes
muros, nestas paredes, janelas e varandas debruçadas sobre o imenso azul do
oceano. Ou, pelo contrário, se fomos nós que aqui decidimos aportar, caminhando
para o mar pelo verão, como no verso de Ruy Belo. Para sermos, tal como a casa,
parte permanente do mar. Constante e quotidianamente líquidos e ondulantes,
plenos. Sim, porque o mar é a antítese do vazio. O mar enche, envolve, o mar
abraça. O mar abraça-nos na sua frequência cintilante e acolhe-nos nos seus quentes
reflexos de Sol. Nós, não somos pó, somos mar. Do mar viemos e ao mar
retornaremos, perpetuamente.
Sem comentários:
Enviar um comentário