Ser-se ilhéu
Portugal é uma nação cronicamente esparsa em pensamento. Ao
invés, e como bem sentencia o adágio popular, é um país de poetas. Talvez por
isso, Eduardo Lourenço, que fez da poesia o centro e a urdidura do seu vasto edifício
intelectual, tenha sido considerado o maior pensador português do século. Para
nós, ilhéus, filhos dessa “coexistência natural de solitudes” que é o
arquipélago, como lapidarmente ajuizou o próprio Lourenço, talvez o mais
importante, neste momento da sua morte, por entre os inúmeros elogios, obituários
e outros tantos panegíricos que proliferarão por aí, seja lembrar que Lourenço
era, primordialmente, um Anteriano. Antero de Quental, o poeta-filósofo, é um
dos vértices, a par de Camões e Pessoa, desse triangulo virtuoso através do
qual Lourenço imaginou os caminhos do seu vasto Labirinto. Para os Açores, “ilhas
que estão sempre a descobrir-se e a ser descobertas”, na indicação límpida de
Eduardo Lourenço, a evocação da sua morte é, também, a exegese desse outro
génio, “que era um Santo”, sem cuja centelha o brilho da obra deste
seria certamente outro, em tudo o que nesta transparece de identificação mítica
com o sentido verdadeiramente poético de se ser português ou, efetivamente,
ilhéu.
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