A gloriosa derrota
O Benfica sofreu, domingo passado, uma derrota épica. Uma
daquelas derrotas de proporções bíblicas, que ficam para a história, que
atravessam gerações e se eternizam na memória coletiva dos que amam o clube e
choram por aquela camisola. No final do jogo, as lágrimas de Di María eram as
lágrimas de todos nós, adeptos sofredores, ajoelhados no chão em frente aos
sofás, partilhando a mesma mágoa, a mesma dor funda e inexplicável do desaire
final, na exaltação plena do falhanço absoluto.
De todos os desportos, o futebol é o que mais espelha a vida,
como no amor ou na guerra, nele convivem, lado a lado, a glória mais suprema e
a ruína mais devastadora. E talvez seja o único capaz de conferir à derrota um
valor redentor, uma dimensão única de ensinamento e catarse coletiva. Perder,
sobretudo perder daquela forma, dramática e castigadora, é uma experiência
misteriosamente profunda e transformadora.
No futebol nada acontece por acaso e um jogo como a final da
Taça, tem um histórico por trás, é o último jogo da época, já depois do
campeonato resolvido, e este ano, essa resolução tinha ela própria uma
história, um drama subjacente, como numa peça shakespeariana, em que múltiplas
camadas de emoções e personalidades se imiscuem no tecido da trama trazendo
consigo um peso trágico.
Três semanas antes, jogara-se o chamado “jogo do século”, um
Benfica vs. Sporting onde o empate soube ao gosto amargo da cicuta. Na última
jornada, os encarnados caíram na Pedreira e o Sporting impôs-se frente ao
Guimarães. O campeonato ficou entregue, e os benfiquistas, com a resignação dos
condenados, viram a sua equipa morrer na praia, como uma onda que se desfaz em
som e espuma sobre a areia fina. O campeonato foi, este ano, um sonho
recorrente, feito com frémitos equivalentes de êxtase e de pesadelo.
Ali chegados, na tarde quente do Jamor, a final da Taça
parecia a última oportunidade de redenção para este Benfica. Uma réstia de
esperança para uma equipa intimamente vencida. Aursnes e Di María, os dois
jogadores mais marcantes da equipa, um pela magia, o outro pela sua ubíqua versatilidade,
começavam no banco. No rosto de ambos adivinhava-se a gravidade do instante, no
seu semblante pesado esse sentimento de impossibilidade perante o jogo e o
adversário.
Mas o Benfica agigantou-se. Subjugou o campeão nacional com um
futebol assertivo e inteligente, dominou o meio-campo, recuperou bolas, impôs
ritmo. Ao intervalo, liderava no campeonato da honra, mesmo, como todos viram,
contra um adversário que jogava com o reforço escondido do vídeo-árbitro.
No início da segunda parte, chegou o golo. Um remate
impossível de Kökçü, de fora da área, a bola a beijar levemente a relva antes
de entrar, imparável, no ângulo inferior junto ao poste. Um golo sublime. Logo
a seguir, Bruma fez o segundo, anulado por interpretativa falta de Carreras no
início da jogada. E depois veio a meia hora de sofrimento, com Bruno Lage a
tentar segurar o magro resultado e o Sporting a sobrelevar-se.
Até que, Renato Sanches, o mais controverso dos jogadores deste
plantel, numa corrida desesperada contra um inultrapassável Gyökeres faz penálti
no minuto 90+10. Nesse instante, as luzes apagaram e a história do jogo ficou
escrita. Já não interessavam os erros do árbitro, as agressões absurdas, que um
vídeo-árbitro que tudo viu aqui deixou escapar, os golos, as substituições desesperadas,
os minutos passavam pesados e castigadores sobre uma equipa em drama consigo própria
e um adversário que mesmo sendo menor se suplantou como poucas vezes nas
últimas décadas, numa vitória que ficará, também, para a sua história.
Mas, como sempre sucede no futebol, as derrotas são tão
importantes como as vitórias. As derrotas são a argamassa que sustenta os
pilares da glória e é das lágrimas, como as de Di Maria, que se alimenta o sonho
que faz um clube, como o Benfica, ser eterno.
P.S. infelizmente, a política não é como o futebol. Ou será?