quarta-feira, 7 de maio de 2025

Speakers' Corner 31

Da subversão da democracia

Este domingo marcou oficialmente o início de mais uma campanha eleitoral. No entanto, a sensação que fica é a de que vivemos, há décadas, numa espécie de Matrix político, um ciclo permanente de campanhas, caravanas, comícios, debates, cartazes, slogans e outros infindáveis clones de um qualquer Agent Smith eleitoral. Num nunca mais acabar de fórmulas repetidas, os partidos procuram capturar e anestesiar os pobres eleitores, oferecendo-lhes, complacentemente, o pequeno comprimido azul da resignação.

No seu célebre “Discurso de Despedida”, verdadeira peça de filosofia política ainda hoje impressionantemente atual, George Washington deixou um aviso de notável lucidez e presciência. Ao refletir sobre os partidos políticos, num olhar crítico, deixou o seguinte alerta: “Por mais que [os partidos políticos] possam de vez em quando responder aos fins populares, é provável que, com o passar do tempo e das coisas, se tornem motores potentes, através dos quais homens astutos, ambiciosos e sem princípios serão capazes de subverter o poder do povo e usurpar para si as rédeas do governo, destruindo posteriormente os próprios motores que os elevaram ao domínio injusto.”

Este aviso torna-se especialmente pertinente no atual contexto político nacional, em que o país é empurrado novamente para eleições por exclusiva responsabilidade de um líder que colocou a sua sobrevivência política acima dos interesses do partido e, mais grave ainda, acima dos interesses do próprio país. No meio do bruaá da campanha, importa recordar a razão pela qual somos chamados às urnas. Não está em causa a governabilidade, nem sequer uma disputa ideológica séria. O que está em causa é a honorabilidade de um candidato a Primeiro-Ministro que, tendo falhado eticamente, pretende agora ver a sua (má) conduta legitimada pelo voto popular, não hesitando para isso em fazer refém o seu próprio partido e manipular o eleitorado em nome da sua manutenção no poder.

Independentemente do juízo que cada um possa fazer sobre essa conduta, ou da sua relevância para o futuro da governação (até porque uma eventual vitória da AD conduzirá, inevitavelmente, a novas eleições em breve), a subversão dos valores éticos e democráticos levada a cabo para salvar a pele política de Montenegro constitui um pecado capital. E não pode, sob pena de destruirmos os alicerces da própria democracia, passar impune.

A menos de quinze dias das eleições, é fundamental percebermos que o que está verdadeiramente em jogo no próximo dia 18 não são apenas visões distintas para o futuro do país. Está em causa, sobretudo, a saúde moral da nossa já frágil democracia, agora posta em xeque por um candidato que tenta transformar os eleitores em júris do seu (fraco) juízo ético.

Estas eleições são também particularmente relevantes a nível regional, em especial para o líder da oposição, que enfrenta aqui um inesperado teste à sua liderança. Após um conturbado processo de definição das listas autárquicas — veja-se o caso de Ponta Delgada —, o resultado eleitoral poderá confrontar o Partido Socialista com a necessidade inadiável de repensar o seu rumo, por mais que o atual líder tente eximir-se desta imprescindível reflexão.

Isto porque, ao contrário do princípio aplicado a nível nacional, afastando os cabeças de lista autárquicos das listas à Assembleia da República, nos Açores é precisamente o candidato a presidente do Governo Regional quem surge como cabeça de lista. Uma eventual penalização por parte do eleitorado dessa decisão, ainda mais por que justificada com uma alegada influência pessoal na capital, impõe necessariamente uma avaliação, tanto da parte do próprio candidato, como dos restantes órgãos do partido. Caso contrário, estaríamos perante mais um exemplo dessa subversão que Washington tão lucidamente antecipou. E, quando o que está em causa é o futuro da democracia e do país, ou, neste caso, da região, optar pela complacência do statu quo poderá ser fatal.

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