Democracia Evolutiva
Este domingo que passou, exerci, pela primeira vez naquela
que é já uma relativamente longa carreira de eleitor, o direito de voto
antecipado. Por motivos literários, não estarei na ilha no próximo domingo,
pelo que recorri a esta nova modalidade de acesso ao voto, num processo
eletronicamente escorreito de inscrição e, como pude constatar pela fila
existente na Câmara Municipal de Ponta Delgada, com uma entusiasmante adesão
popular.
Das muitas áreas em que a nossa democracia precisa
urgentemente de evoluir, facilitar o acesso ao voto é uma das mais prementes,
alargando prazos e métodos, como é o caso do voto antecipado. Cinquenta anos
depois das primeiras eleições livres, em sufrágio universal, e quando o país se
vê mergulhado num labirinto democrático, incapaz de gerar estabilidade ou
alternativa, melhorar as formas de relação dos eleitores com o voto é uma forma
não só de reduzir a abstenção e comprometer os eleitores com as suas escolhas,
mas, acima de tudo, de fazer evoluir e melhorar a própria democracia. A
natureza da crise de representação a que assistimos não tem apenas que ver com
os partidos ou as suas lideranças, mas também com a natureza do próprio sistema
eleitoral e as suas falhas e omissões. Discuti-las e repensá-las devia ser um desígnio
prioritário nestes cinquenta anos de Abril.
A representatividade do método D’Hondt. Os círculos
eleitorais e a necessidade de um círculo de compensação nacional. A abstenção e
as formas de a mitigar. Listas fechadas versus listas abertas. Listas de
cidadãos. Partidos regionais. Sistemas eleitorais proporcionais, maioritários
ou mistos. Todas estas questões deviam estar permanentemente em cima da mesa,
como sinais de uma permanente e imperiosa atualização democrática. Diga-se, em
abono da verdade, que tanto o BE como a IL têm propostas sobre estes temas, mas,
como sempre, são PS e PSD os mais avessos à mudança e ao evoluir da nossa
democracia.
Por princípio, sou intrinsecamente contra proibições e, como
tal, também contra obrigações. O voto é um dever e não uma obrigação, e o
verdadeiro teste democrático é verificar se os partidos e os candidatos têm, ou
não, capacidade de mobilizar os cidadãos. Por outro lado, numa democracia
evoluída, a opção pela abstenção é sempre igualmente legítima. Mas uma das
formas de potenciar o voto seria a repetição dos atos eleitorais em círculos
onde a abstenção for superior a 50%, instigando-se, assim, eleitos e eleitores
a um esforço mútuo de maior participação e mobilização. Outra das reformas
estruturais fundamentais seria a legalização de listas de cidadãos para os
parlamentos, retirando-se aos politburos partidários o monopólio da
propositura de candidatos. Este seria um passo decisivo em direção à
pluralidade e à transparência, criando-se uma maior e melhor ligação entre
eleitos e eleitores.
No atual momento da nossa maturação democrática,
caracterizado por uma cada vez maior pluralidade de propostas políticas e
partidárias, a criação de um círculo de compensação, que corrija as
arbitrariedades e injustiças, nomeadamente as discrepâncias regionais entre
círculos eleitorais inerentes à aplicação do método D’Hondt (um voto em Lisboa
não é o mesmo que um voto nos Açores ou em Portalegre, por exemplo), torna-se
também fundamental para dar a cada cidadão não só um voto, mas um voto verdadeiramente
válido, e não desperdiçar milhares de votos, como atualmente acontece. Para que
se perceba, nas últimas eleições legislativas, num universo de quase seis milhões
e meio de votos expressos, 1.238.760 votos foram literalmente deitados ao lixo,
entre votos nos pequenos partidos e votos insuficientes para eleger mandatos
adicionais. Mais votos do que o total dos votantes do Chega, que elegeu 50
deputados. Mais de um milhão e duzentos votos que, na prática, não contribuíram
para eleger ninguém. São números que, no mínimo, deveriam fazer pensar e, principalmente,
fazer evoluir a nossa democracia.
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