quarta-feira, 14 de maio de 2025

Speakers' Corner 32

Democracia Evolutiva

Este domingo que passou, exerci, pela primeira vez naquela que é já uma relativamente longa carreira de eleitor, o direito de voto antecipado. Por motivos literários, não estarei na ilha no próximo domingo, pelo que recorri a esta nova modalidade de acesso ao voto, num processo eletronicamente escorreito de inscrição e, como pude constatar pela fila existente na Câmara Municipal de Ponta Delgada, com uma entusiasmante adesão popular.

Das muitas áreas em que a nossa democracia precisa urgentemente de evoluir, facilitar o acesso ao voto é uma das mais prementes, alargando prazos e métodos, como é o caso do voto antecipado. Cinquenta anos depois das primeiras eleições livres, em sufrágio universal, e quando o país se vê mergulhado num labirinto democrático, incapaz de gerar estabilidade ou alternativa, melhorar as formas de relação dos eleitores com o voto é uma forma não só de reduzir a abstenção e comprometer os eleitores com as suas escolhas, mas, acima de tudo, de fazer evoluir e melhorar a própria democracia. A natureza da crise de representação a que assistimos não tem apenas que ver com os partidos ou as suas lideranças, mas também com a natureza do próprio sistema eleitoral e as suas falhas e omissões. Discuti-las e repensá-las devia ser um desígnio prioritário nestes cinquenta anos de Abril.

A representatividade do método D’Hondt. Os círculos eleitorais e a necessidade de um círculo de compensação nacional. A abstenção e as formas de a mitigar. Listas fechadas versus listas abertas. Listas de cidadãos. Partidos regionais. Sistemas eleitorais proporcionais, maioritários ou mistos. Todas estas questões deviam estar permanentemente em cima da mesa, como sinais de uma permanente e imperiosa atualização democrática. Diga-se, em abono da verdade, que tanto o BE como a IL têm propostas sobre estes temas, mas, como sempre, são PS e PSD os mais avessos à mudança e ao evoluir da nossa democracia.

Por princípio, sou intrinsecamente contra proibições e, como tal, também contra obrigações. O voto é um dever e não uma obrigação, e o verdadeiro teste democrático é verificar se os partidos e os candidatos têm, ou não, capacidade de mobilizar os cidadãos. Por outro lado, numa democracia evoluída, a opção pela abstenção é sempre igualmente legítima. Mas uma das formas de potenciar o voto seria a repetição dos atos eleitorais em círculos onde a abstenção for superior a 50%, instigando-se, assim, eleitos e eleitores a um esforço mútuo de maior participação e mobilização. Outra das reformas estruturais fundamentais seria a legalização de listas de cidadãos para os parlamentos, retirando-se aos politburos partidários o monopólio da propositura de candidatos. Este seria um passo decisivo em direção à pluralidade e à transparência, criando-se uma maior e melhor ligação entre eleitos e eleitores.

No atual momento da nossa maturação democrática, caracterizado por uma cada vez maior pluralidade de propostas políticas e partidárias, a criação de um círculo de compensação, que corrija as arbitrariedades e injustiças, nomeadamente as discrepâncias regionais entre círculos eleitorais inerentes à aplicação do método D’Hondt (um voto em Lisboa não é o mesmo que um voto nos Açores ou em Portalegre, por exemplo), torna-se também fundamental para dar a cada cidadão não só um voto, mas um voto verdadeiramente válido, e não desperdiçar milhares de votos, como atualmente acontece. Para que se perceba, nas últimas eleições legislativas, num universo de quase seis milhões e meio de votos expressos, 1.238.760 votos foram literalmente deitados ao lixo, entre votos nos pequenos partidos e votos insuficientes para eleger mandatos adicionais. Mais votos do que o total dos votantes do Chega, que elegeu 50 deputados. Mais de um milhão e duzentos votos que, na prática, não contribuíram para eleger ninguém. São números que, no mínimo, deveriam fazer pensar e, principalmente, fazer evoluir a nossa democracia.

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