Combater o Chega, ouvir as pessoas
Os resultados de domingo foram um abalo telúrico na nossa
democracia, que se vê a braços com um tsunami populista e reacionário como
nunca se tinha visto em 50 anos. De facto, de todas as consequências do escrutínio,
a avalanche do Chega, transformado na terceira, ou possivelmente na segunda
força política nacional (à hora em que escrevo, faltam apurar os deputados da
emigração, que podem dar mais dois mandatos ao Chega…), é o principal facto
político destas eleições, mais até do que a carnificina no PS, embora ambas
estejam, creio eu, relacionadas. Para lá do tripartidarismo, do populismo, do spinumvivismo
e da derrota da esquerda, o que me parece mais relevante realçar nestas
eleições é a vitória do antissistemismo.
Arrisco um exemplo local para avançar uma explicação para
este crescimento assustador do Chega, que mais não é do que a consubstanciação
do voto antissistema. Nos últimos dias, tenho participado em diversas reuniões
sobre a questão do Ilhéu. Numa delas, com responsáveis locais dos dois
principais partidos, levantava-se a questão do aproveitamento eleitoral do
fecho do Ilhéu a banhos. Do lado do PSD, parecia medrar a ideia de que o
partido teria vantagem eleitoral autárquica com o Ilhéu fechado, como forma de
capitalizar na campanha. Do lado do PS, agitava-se a narrativa de que a culpa
do fecho do Ilhéu era do Governo, logo, seria o PSD a ser penalizado.
A uns e a outros tentei, sem sucesso, alertar que o único
partido que poderia tirar proveito político de um escândalo como o fecho do
Ilhéu era o Chega, devido ao descrédito das pessoas face a dois partidos com
responsabilidades repartidas e incapazes de resolver um problema que é de
todos. Como era expectável, o Chega ganhou em Vila Franca. A principal razão
para o crescimento do Chega é o cansaço, a zanga dos eleitores com os dois
partidos que construíram a democracia - PS e PSD - e que, na mente das pessoas,
são os verdadeiros responsáveis por aquilo que sentem ser o estado calamitoso
do país, sem esperança, sem oportunidades e sem futuro. E é bem provável que as
pessoas tenham razão. Aqui chegados (perdoem o trocadilho) o combate ao Chega faz-se
na refundação democrática dos partidos do centro e, neste caso em especial, do
PS, sob o risco de se matar a esquerda moderada em Portugal.
Menos de três anos depois de uma maioria absoluta com mais
de 2 milhões de votos, o PS caiu para 1 milhão e quatrocentos mil votos e
apenas 58 deputados. Nos Açores, o cenário é tão ou mais preocupante. De 4
deputados passou para apenas 1. Com a agravante de ficar praticamente empatado
com o Chega no círculo regional e escandalosamente ultrapassado na ilha de São
Miguel. Estes são resultados dos quais o partido não pode fugir. É uma mensagem
claríssima que lhe está a ser dada pelos eleitores, e nem toda a falsa coragem
do mundo pode fazer esquecer este fortíssimo cartão vermelho. A nível nacional,
o partido soube reconhecer esta hecatombe; a nível regional, e citando as
palavras de Sérgio Sousa Pinto na própria noite das eleições: se o PS não
acabar com esta direção, esta direção acaba com o partido.
Se tivermos de encontrar uma justificação para estes
resultados, ela está na falta de ligação entre os eleitores e o PS e o PSD. O
Chega é um voto de protesto contra dois partidos que parecem ter capturado a
democracia, colocando-a ao serviço dos seus interesses pessoais e não do povo
ou do país. Não é à toa que a AD não teve maioria, que foi o Chega que o povo
elegeu para bloquear a governação e será no Chega que votará quando este PSD
voltar a falhar com o país. Se prosseguirmos neste caminho, em breve o partido
do protesto tornar-se-á no partido de governo, levado em ombros por todos
aqueles que se recusam a reconhecer as suas responsabilidades nesta deriva dos
eleitores do centro rumo ao precipício populista e ao caos que nos olha desde o
fundo desse abismo.
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