quarta-feira, 28 de maio de 2025

Speakers' Corner 34

A gloriosa derrota

O Benfica sofreu, domingo passado, uma derrota épica. Uma daquelas derrotas de proporções bíblicas, que ficam para a história, que atravessam gerações e se eternizam na memória coletiva dos que amam o clube e choram por aquela camisola. No final do jogo, as lágrimas de Di María eram as lágrimas de todos nós, adeptos sofredores, ajoelhados no chão em frente aos sofás, partilhando a mesma mágoa, a mesma dor funda e inexplicável do desaire final, na exaltação plena do falhanço absoluto.

De todos os desportos, o futebol é o que mais espelha a vida, como no amor ou na guerra, nele convivem, lado a lado, a glória mais suprema e a ruína mais devastadora. E talvez seja o único capaz de conferir à derrota um valor redentor, uma dimensão única de ensinamento e catarse coletiva. Perder, sobretudo perder daquela forma, dramática e castigadora, é uma experiência misteriosamente profunda e transformadora.

No futebol nada acontece por acaso e um jogo como a final da Taça, tem um histórico por trás, é o último jogo da época, já depois do campeonato resolvido, e este ano, essa resolução tinha ela própria uma história, um drama subjacente, como numa peça shakespeariana, em que múltiplas camadas de emoções e personalidades se imiscuem no tecido da trama trazendo consigo um peso trágico.

Três semanas antes, jogara-se o chamado “jogo do século”, um Benfica vs. Sporting onde o empate soube ao gosto amargo da cicuta. Na última jornada, os encarnados caíram na Pedreira e o Sporting impôs-se frente ao Guimarães. O campeonato ficou entregue, e os benfiquistas, com a resignação dos condenados, viram a sua equipa morrer na praia, como uma onda que se desfaz em som e espuma sobre a areia fina. O campeonato foi, este ano, um sonho recorrente, feito com frémitos equivalentes de êxtase e de pesadelo.

Ali chegados, na tarde quente do Jamor, a final da Taça parecia a última oportunidade de redenção para este Benfica. Uma réstia de esperança para uma equipa intimamente vencida. Aursnes e Di María, os dois jogadores mais marcantes da equipa, um pela magia, o outro pela sua ubíqua versatilidade, começavam no banco. No rosto de ambos adivinhava-se a gravidade do instante, no seu semblante pesado esse sentimento de impossibilidade perante o jogo e o adversário.

Mas o Benfica agigantou-se. Subjugou o campeão nacional com um futebol assertivo e inteligente, dominou o meio-campo, recuperou bolas, impôs ritmo. Ao intervalo, liderava no campeonato da honra, mesmo, como todos viram, contra um adversário que jogava com o reforço escondido do vídeo-árbitro.

No início da segunda parte, chegou o golo. Um remate impossível de Kökçü, de fora da área, a bola a beijar levemente a relva antes de entrar, imparável, no ângulo inferior junto ao poste. Um golo sublime. Logo a seguir, Bruma fez o segundo, anulado por interpretativa falta de Carreras no início da jogada. E depois veio a meia hora de sofrimento, com Bruno Lage a tentar segurar o magro resultado e o Sporting a sobrelevar-se.

Até que, Renato Sanches, o mais controverso dos jogadores deste plantel, numa corrida desesperada contra um inultrapassável Gyökeres faz penálti no minuto 90+10. Nesse instante, as luzes apagaram e a história do jogo ficou escrita. Já não interessavam os erros do árbitro, as agressões absurdas, que um vídeo-árbitro que tudo viu aqui deixou escapar, os golos, as substituições desesperadas, os minutos passavam pesados e castigadores sobre uma equipa em drama consigo própria e um adversário que mesmo sendo menor se suplantou como poucas vezes nas últimas décadas, numa vitória que ficará, também, para a sua história.

Mas, como sempre sucede no futebol, as derrotas são tão importantes como as vitórias. As derrotas são a argamassa que sustenta os pilares da glória e é das lágrimas, como as de Di Maria, que se alimenta o sonho que faz um clube, como o Benfica, ser eterno.

P.S. infelizmente, a política não é como o futebol. Ou será?

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