Fixemos a
data. O dia em que a mais antiga democracia do mundo pediu, formalmente, a
saída do mais abrangente projecto de paz e concórdia da História. O abandono do
Reino Unido da União Europeia deixa a Europa num cruzamento onde apenas dois
caminhos se lhe apresentam: o seu fim ou a integração plena das instituições
europeias. Mas, qualquer avanço neste processo terá que, primeiro, atacar um
dos, talvez o mais grave de todos, cancros que corroem o interior do ideal
europeu – a distância profunda que hoje separa os cidadãos europeus da
realidade política da União. Acreditar numa verdadeira democracia europeia e na
reforma das suas instituições terá que começar aí. A escolha por um modelo de
governação que tenha como princípio base a proximidade entre eleitos e
eleitores, partindo, necessariamente, do plano regional. Uma Europa de regiões,
mais do que de estados, pode, no imediato, ser a única forma de salvar o sonho
de uma comunidade de paz, solidariedade, desenvolvimento económico e respeito pelos
povos. Uma federação de regiões poderá ser a única salvação para o ideal
europeu. E nessa nova Europa os Açores, pelo simbolismo da sua história e
relevância do seu posicionamento geoestratégico, terão necessariamente um papel
fundamental a desempenhar.
quinta-feira, 30 de março de 2017
quinta-feira, 23 de março de 2017
Café Royal XII
A Mecanização
Escola
primária. Não fez oito anos ainda. Às sete e meia, oito, levantar, arranjar, vestir,
pequeno-almoço, lavar os dentes, sair de casa. Na mochila pastas com papéis,
quatro livros de estudo e quatro livros de fichas, mais quatro cadernos, dois
estojos, muda de roupa, o ocasional brinquedo. Um pes(adel)o. Nas semanas dos
testes vai e vem tudo da escola para casa, de casa para a escola. Na mão, a
lancheira. Escola antes das nove. Português, matemática, estudo do meio,
inglês, ginástica, sala de estudo, pelo meio lanche da manhã, almoço, lanche da
tarde. Pelas três e meia, quatro, violino (duas vezes por semana), ballet (duas
vezes por semana) e os cavalos à quarta ou ao sábado. Seis e meia, às vezes
sete(!), chegar a casa, trabalhos de casa, banho, pijama, jantar, dentes, xixi,
cama… Aos fins-de-semana, mais trabalhos de casa e mais tantas outras falsas
obrigações. Depois, começa tudo de novo. Automatizamos as crianças, encarreiradas,
cumpridoras, competitivas. Entretanto, nas notícias, os concursos dos
professores, os rácios, os ratings, os índices, as taxas e tantas outras estéreis
quezílias de adultos, esquecendo-nos que, nessa coisa chamada “sistema educativo”,
o que realmente interessa são as crianças e o único indicador que nos deve
preocupar é o seu grau de felicidade.
quinta-feira, 16 de março de 2017
Café Royal XI
Da História…
Após o sonho
adolescente de querer ser cineasta dei por mim a frequentar os bancos de um
curso de História. Devo confessar que o meu zelo académico era reduzido, passei
mais horas nas mesas da Tasca d’O Lagarto do que nas cadeiras da faculdade, mas
o gosto intrínseco pelos livros tornou-me a licenciatura relativamente fácil.
Estudar História é um bom fundamento para olhar o mundo. Perceber as
entrelinhas dos atos dos homens permite olhar para lá da mera manchete dos
acontecimentos. Quem olhe em seu redor procurando compreender o seu tempo, o
seu mundo, mesmo não ligando à sucessão e encadeamento dos eventos, não pode
deixar de compreender o quão iminentemente frágil é o nosso momento na História.
A instabilidade política global, o descrédito das instituições, o alheamento
dos cidadãos, a emergência dos populismos, a clivagem religiosa, a desagregação
geoestratégica, um pouco por todo o lado se pressente a ruína do tempo
histórico. Marx postulou que a História se repetia, primeiro como tragédia,
depois como farsa. Quem siga os vários telejornais do dia, com o olhar assente
nas lições do passado, não pode deixar de sorrir ao constatar que vivemos de
facto na iminência da tragicomédia. Como se usa dizer – é rir para não chorar.
domingo, 12 de março de 2017
Café Royal X
“Mar vivo”
Na semana
passada a anormalmente rápida evolução de uma baixa pressão deu origem a ondas
de 13 metros que derramaram destruição no litoral da Madalena do Pico. Edifícios
públicos foram arrasados, investimentos privados foram arruinados, tudo isto independentemente
do número de likes que tinham no Facebook. Séculos de sedentarização tornaram-nos
analfabetos da natureza. Já não lhe reconhecemos os sinais. E, aqui no meio do
atlântico, à mercê dos elementos, nem a tecnologia nos salva da sua força. Furacões
raspam-nos a costa, tempestades inundam-nos as terras, que em torrente se
esvaem no mar, ondas gigantes assaltam-nos a vida. É como se todo o planeta
irrompesse numa febre de que somos nós o vírus causador. Hoje, é tão
indesmentível a realidade do aquecimento global como é impossível escapar-lhe
ou detê-lo. Serão necessárias gerações para sequer esperançarmos que o planeta
nos acolha de novo de forma benigna. Mas, se não começarmos já esse caminho de
regresso ao respeito pela natureza nunca conseguiremos esse desígnio de comunhão
com o futuro. Que sentido podemos encontrar nas nossas vidas quando é o próprio
planeta que morre diante dos nossos olhos hipnotizados pelos ecrãs dos
telemóveis?
quinta-feira, 2 de março de 2017
Café Royal IX
Intolerável!
Quando pensamos
que já vimos tudo, que já nada nos surpreende, que somos imunes aos disparates
da governação, eis que ela, despudoradamente, restaura a sua capacidade de nos abismar.
Soube-se recentemente que entre 2011 e 2014, cerca de 10 mil milhões de euros
emigraram, sub-repticiamente, do país, sem que a nossa sempre atenta Autoridade
Tributária lhes verificasse o passaporte. Vou repetir, com zeros, para que se perceba
a extensão, €10.000.000.000,00 foram surfar para vários offshore enquanto, ao mesmo tempo, o fisco se entretinha,
selvaticamente, a penhorar casas e ordenados por dívidas de meia dúzia de
euros. 10 biliões de euros VIP foram passear para paraísos fiscais enquanto o governo
de então se vangloriava de aumentar enormemente os impostos. Podem dizer o que
quiserem sobre este assunto, mas a mais básica, primária e pura das verdades é
que não é tolerável a existência de um Estado com dois pesos e duas medidas! Um,
que protege os afortunados que, a coberto dos decisores políticos, fazem mover
capitais em roda livre. Outro, que lança mão aos descamisados que, por duas
colheres de mel coado, encontram a sua vida impiedosamente arruinada pela roda
dentada do serviço de finanças.
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