Era o fim da
primeira grande guerra. Um pouco por toda a França, milhares de jovens
soldados, debilitados, malnutridos e intoxicados, encavalitavam-se, uns sobre
os outros, nas trincheiras e nos hospitais. Em Étaples-sur-mer, norte de
França, o exército expedicionário inglês montou o seu principal hospital de
campanha. Mais de 100 mil soldados fazem trânsito em Étaples diariamente. Para
prover à alimentação, foi improvisada uma suinicultura e milhares de galinhas são
trazidas dos campos e vilas mais próximas. No Inverno de 1917, os médicos
relatam os primeiros casos de uma misteriosa e incurável doença respiratória
que se dissemina rapidamente. Em cada espirro ou convulsão de tosse, meio
milhão de partículas virais são espalhadas pelo ar. Durante os cerca de dois
anos e meio seguintes, perto de 30 Milhões (!) de pessoas, em todo o mundo,
perderam a vida, naquela que foi a maior pandemia da história contemporânea. Curiosamente,
a região do globo menos afetada foi a China. Até ontem, 77931 pessoas, em todo
o mundo, estavam infetadas com coronavírus. Até ontem, 2618 mortes e destas apenas
23 fora da China, mas, quem veja as notícias parece que estamos a viver uma
nova Gripe Espanhola.
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020
Café Royal CLXII
Polarização
Os sinais estavam todos lá, mas, fiéis aos nossos
proverbiais brandos costumes, achámos que estávamos imunes às pandemias do
momento. Populismo, extremismo, xenofobia, autoritarismo e toda uma outra
panóplia de vírus, que se expandiram pelo mundo, nas últimas décadas, em
proporção maior que a do Coronavirus, aos quais nós, uns à beira-mar plantados,
outros no meio do mar alçados, julgámos, placidamente, estar a salvo de
qualquer risco de contaminação. Eis que um dia, uma sondagem dá 6% ao partido
da extrema-direita, um jogador de futebol é expulso do campo pela selvajaria
xenófoba de uma turba de energúmenos e o país político e social entrincheira-se
na discussão maniqueísta e estéril da “dignidade” da morte. E, de repente o país
deixou de ter um centro para ter dois polos: o branco e o preto, os bons e os
maus, os que defendem a vida até ao último suspiro e os que querem exterminar
todos os velhinhos. A democracia é o sistema político que nos impele à
concertação, ao diálogo e, acima de tudo, ao aceitar do outro. A verdadeira
Democracia não é a hegemonia das maiorias, mas a protecção que dá às minorias
que vivem dentro de si. Perder isso é perdermo-nos a nós próprios.
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020
Café Royal CLXI
Ah, o Amor!
Precisará o amor de um dia? Ou de um Santo? Precisará o amor
de uma celebração anual, revestida de montras repletas de peluches, chocolates
e lingeries de melhor ou pior gosto? Se o amor for só comércio, o coração não
será mais do que uma caixa registadora. Amor é dádiva, não é penhor. Amor não é
cambio, nem valor. Não, o amor não se vende, não se materializa num qualquer cartão
colorido, nem num ramo de flores, mesmo que sejam rosas. O amor é transe, não é
transacção. O amor é um olhar, um ensejo, é a doce ternura de um beijo, um leve
toque de mão. O amor é uma borboleta no estômago e um sorriso. Uma vergonha
tímida e uma coragem gigante. O amor é um arrebatamento súbito e uma promessa
para a vida. O amor é desapego. O amor não tem horário, nem dia no calendário.
O amor não tem um dia, amor que é amor é-o a cada dia. O amor não se celebra
uma vez por ano como se fosse um feriado, ou uma pausa, ou o “meter um Artigo”.
O amor é um instante de luz que cega e espanta. O amor é uma chama que nunca se
apaga. E, é preciso cuidar do amor em cada momento, dia-a-dia e sempre, todos
os dias do ano, até ao último sopro da vida.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020
Café Royal CLX
Steiner
Desde o início desta crónica, Janeiro de 2017, que George
Steiner é, e continuará sempre a ser, uma figura tutelar deste “café”. Nesse primeiro texto socorri-me da bela imagem de Steiner de que a “ideia de Europa”
está alicerçada no hábito europeu de frequentar cafés e, principalmente, de,
nesses cafés discutir e debater ideias livremente e no choque benigno entre
diferentes correntes literárias, visões científicas ou opiniões políticas. Uma
Europa contruída por dois pilares fundamentais – liberdade de pensamento e
respeito pelo outro. A Europa das Ideias. Só possível, aliás, pela existência
dessa persona, que o próprio Steiner representava e da qual era um dos
últimos verdadeiros exemplares, o Intelectual. Steiner dedicou a sua vida a
duas atividades em vias de extinção: a leitura e o pensamento. Mas sempre com
um profundo respeito pelas ideias, mesmo que estas fossem antagónicas entre si.
Num tempo em que a excessiva especialização, a abstração rápida e o
entrincheiramento ideológico se tornam sinónimos de cultura, a noção de que é
preciso perder tempo a pensar é um dos grandes legados de George Steiner, e um saudável
exercício que continuaremos a cultivar aqui, no Café Royal.
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