Na política
não há verdade. Bismarck, com ironia, colocou a questão de forma brilhante ao
afirmar que nunca se deve acreditar em nada na política até ter sido
oficialmente desmentido. Hoje em dia, até à pós-verdade nos fomos,
indulgentemente, habituando. Com o passar do tempo, também, a narrativa
política e partidária transformou-se num monstro autofágico, alimentando-se de
si própria numa torrente infindável de mentira. Nada tem valor perante essa
roldana trituradora, nem mesmo as pessoas, que são descartadas, para lá do seu
bom nome, nas suas próprias vidas. E já nem a decência é limite para a
voracidade dos políticos e dos seus (maus) conselheiros. Um político inventa
suicídios para tirar ganho político e nós olhamos para o lado com descrença e
asco. Quando nos munimos da tragédia e quando, inacreditavelmente, inventamos a
tragédia para tirar ganhos no debate político descemos a um novo e dantesco
patamar do inferno. Sem verdade e sem ética as nossas sociedades tornaram-se
num fétido lamaçal, onde já nem a vida tem valor. Como comunidade, temos a obrigação
de traçar aqui, nesta simbólica tragédia de Pedrogão Grande, o limite. O limite
do que é aceitável no discurso político, não permitindo que o horror da morte
seja utilizado como joguete. E, mais importante, o limite do que é tolerável na
acção política e partidária que no seu jogo sujo e desavergonhado colocou o
país neste estado. Basta!
quinta-feira, 29 de junho de 2017
quinta-feira, 22 de junho de 2017
Café Royal XXV
Armad(ilha)dos…
No calor da tragédia disseram-nos que “tudo tinha sido feito”. Mas, esse “tudo” foi exatamente o que potenciou mais esta calamidade e todas as que se repetem, ano após ano. Em 40 anos, Portugal foi um país incapaz de se desenvolver de forma estruturalmente equilibrada. Emigração, deslocalização, desertificação, envelhecimento, abandono, avareza, corrupção… Estes são apenas alguns dos mecanismos da bomba-relógio em que se transformou o país. E a culpa é de todos nós! Cidadãos, porque nos alheamos progressivamente da responsabilidade que temos para com a terra e a comunidade. E políticos, porque, conscientemente, abdicam do futuro em prol da próxima eleição… Lá é o fogo, nas ilhas é a água. Chuva e mar, são os agentes recorrentes das tragédias que fustigam a região. E a atividade sísmica e vulcânica, mas que, elas próprias, podem, hoje em dia, com alguma segurança, ser monitorizadas. Porém, também nos Açores se fechou criminosamente os olhos aos riscos sinalizados e calculáveis. Esbanjámos dinheiro em obras faraónicas e festas fúteis, em vez de o usar em políticas corajosas de ordenamento do território, colocando, com isso, as nossas comunidades à mercê duma verdadeira armadilha, em contagem decrescente até à próxima tragédia. Nesse dia, algum político dirá que “tudo foi feito”, sabendo ele que, numa gaveta qualquer, jaz, escondido, um relatório técnico que avisava para o perigo…
in Açoriano Oriental
No calor da tragédia disseram-nos que “tudo tinha sido feito”. Mas, esse “tudo” foi exatamente o que potenciou mais esta calamidade e todas as que se repetem, ano após ano. Em 40 anos, Portugal foi um país incapaz de se desenvolver de forma estruturalmente equilibrada. Emigração, deslocalização, desertificação, envelhecimento, abandono, avareza, corrupção… Estes são apenas alguns dos mecanismos da bomba-relógio em que se transformou o país. E a culpa é de todos nós! Cidadãos, porque nos alheamos progressivamente da responsabilidade que temos para com a terra e a comunidade. E políticos, porque, conscientemente, abdicam do futuro em prol da próxima eleição… Lá é o fogo, nas ilhas é a água. Chuva e mar, são os agentes recorrentes das tragédias que fustigam a região. E a atividade sísmica e vulcânica, mas que, elas próprias, podem, hoje em dia, com alguma segurança, ser monitorizadas. Porém, também nos Açores se fechou criminosamente os olhos aos riscos sinalizados e calculáveis. Esbanjámos dinheiro em obras faraónicas e festas fúteis, em vez de o usar em políticas corajosas de ordenamento do território, colocando, com isso, as nossas comunidades à mercê duma verdadeira armadilha, em contagem decrescente até à próxima tragédia. Nesse dia, algum político dirá que “tudo foi feito”, sabendo ele que, numa gaveta qualquer, jaz, escondido, um relatório técnico que avisava para o perigo…
in Açoriano Oriental
sexta-feira, 16 de junho de 2017
Café Royal XXIV
Roaming
Uma conquista civilizacional da globalização é a mobilidade. A possibilidade, a custos cada vez mais reduzidos, dos cidadãos se deslocarem entre países e conhecerem o mundo. Nos últimos 150 anos viajar transformou-se de um privilégio quase aristocrático numa opção individual. O ganho civilizacional que advém do contacto com outras culturas, outras línguas, outras sociedades é incomensurável, mas têm uma tradução imediata – a capacidade de nos entendermos, como seres humanos, independentemente da cor da pele, da religião ou da raça. Eu serei Pedro quer aperte a mão a um Pierre ou a um Peter e vice-versa… Esta abolição de fronteiras, de barreiras, foi e é um dos pilares fundamentais da construção europeia e é, também, nas questões práticas que se alicerça o seu simbolismo. Fez esta semana 30 anos que foi instituído o programa Erasmus, um dos mais importantes instrumentos de intercambio estudantil do mundo e uma das pedras fundamentais da solidez do projeto europeu. É nestes gestos, como por exemplo, na abolição das taxas de roaming, que se sustenta a ideia de uma Europa unida e interdependente feita não de estatísticas, mas de pessoas. Existem ainda restrições, na maioria financeiras, a esta democratização, mas todos os passos que dermos em defesa das liberdades individuais, para lá da fronteira das nações, será mais um passo na afirmação de uma globalização de pessoas e de um mundo melhor.
in Açoriano Oriental
Uma conquista civilizacional da globalização é a mobilidade. A possibilidade, a custos cada vez mais reduzidos, dos cidadãos se deslocarem entre países e conhecerem o mundo. Nos últimos 150 anos viajar transformou-se de um privilégio quase aristocrático numa opção individual. O ganho civilizacional que advém do contacto com outras culturas, outras línguas, outras sociedades é incomensurável, mas têm uma tradução imediata – a capacidade de nos entendermos, como seres humanos, independentemente da cor da pele, da religião ou da raça. Eu serei Pedro quer aperte a mão a um Pierre ou a um Peter e vice-versa… Esta abolição de fronteiras, de barreiras, foi e é um dos pilares fundamentais da construção europeia e é, também, nas questões práticas que se alicerça o seu simbolismo. Fez esta semana 30 anos que foi instituído o programa Erasmus, um dos mais importantes instrumentos de intercambio estudantil do mundo e uma das pedras fundamentais da solidez do projeto europeu. É nestes gestos, como por exemplo, na abolição das taxas de roaming, que se sustenta a ideia de uma Europa unida e interdependente feita não de estatísticas, mas de pessoas. Existem ainda restrições, na maioria financeiras, a esta democratização, mas todos os passos que dermos em defesa das liberdades individuais, para lá da fronteira das nações, será mais um passo na afirmação de uma globalização de pessoas e de um mundo melhor.
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 8 de junho de 2017
Café Royal XXIII
Das coisas
Na volta do
tempo regressa o Verão. Regressam os dias cálidos, banhados de sol e mar e do
riso das crianças. Volta o Verão e a vontade de sal e de mergulhos infantis na
fluidez das águas. No último fim-de-semana regressámos ao mar, demos mergulhos,
as crianças correram pela areia e esbracejaram em translúcidas piscinas, com a intuição própria da
infância. Na ilha, onde não há primavera, onde o inverno se desfaz subitamente
na incidência do calor, é o corpo que acode à mudança. É a pele que acolhe em
cor a força da luz. Longe vai o tempo em que o mar, a cadência das ondas, era para
mim uma constante permanente. Sem o calendário das estações, sem a voracidade
das obrigações do dia-a-dia, das pequenas coisas estupidamente transformadas em
grandes, esquecidos, pela força imposta do quotidiano da vida, que é nos
momentos puros que chegamos à razão de Ser, à razão do Ser. Fui levado, ou
deixei-me ir, nessa enxurrada cega das preocupações diárias, das contas para
pagar, dos horários fixos, das obrigações fúteis? Em que momento perdi de vista
o prazer das coisas límpidas e verdadeiramente importantes? Não procuro morrer
para voltar ao mar como disse Sophia. Regresso ao mar, pela mão do amor e das
crianças, para resgatar antes a vida dessa quase morte das pequenas coisas quotidianas.
terça-feira, 6 de junho de 2017
Café Royal XXII
O lago
Surpreendentemente,
foi Angela Merkel quem fez o mais límpido resumo do autêntico circo voador que
foi a tour internacional de Trump. A Europa está por sua conta - anunciou,
desalentada, a chanceler. Frase pesarosa, com tanto de augúrio como de sentença:
por um lado a constatação da inadiável necessidade de a Europa aprofundar a sua
união é um auspício importante, mas fazê-lo por oposição ao seu mais pródigo
filho é uma triste condenação. Só por ignorância se pode querer ostracizar a
América daquilo que são os mais profundos interesses europeus. Também, só por
cinismo se pode querer confundir a América com o Sr. Trump, por mais que
discordemos dele. Cabe à Europa fazer ver à América o papel fulcral que esta desempenha
nos vários equilíbrios globais, naturais ou políticos. Não o fazer é condenar a
própria Europa ao vácuo internacional. Nunca esqueçamos, enquanto europeus, que
as nossas liberdades são fruto da independência americana e façamos também por
lembrar aos americanos que a sua posição no mundo é filha da sua atlântica união
connosco. E, para nós, portugueses insulares, navegando neste meio do atlântico,
esta é uma questão de vital importância. Uma Europa que desista da sua parceria
atlântica com os E.U.A. coloca os Açores à mercê da nação, mais ou menos
oriental, que tome para si os destinos da Terra.
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