Fecha Agosto.
Já há Beladonas pelas bermas das estradas. As lojas fazem montras com os
materiais escolares e até guardanapos de papel com motivos natalícios espreitam
nas prateleiras das grandes superfícies comerciais nessa agonia capitalista que
quer forçar a marcha do calendário numa ganância de lucro constante. Os dias
ficam mais curtos. As intermitências do clima mais constantes. A ilha
esvazia-se lentamente dos visitantes. Os restaurantes voltam a ter lugares e
sorrisos para os clientes habituais. Há vinho doce e uvas de cheiro em cestos
de vime nas vendas. E figos de doce carnudo. Os ananases que veranearam na
estufa ficam mais doces. As noites cheiram ao pólen das conteiras que invadem
os montes. No jardim, as miúdas queimam as últimas fantasias, na saída do mar,
passando-se na água doce da mangueira. Cresceram, na folia das férias
amadurecem como as frutas ao sol. Em breve regressarão à escola, com roupas
novas e sorrisos altivos e bronzeados. Elas não o sabem ainda, mas os verões
são caixas de memórias, pequenos guarda-joias, onde protegemos a infância e a
sua frágil felicidade. Chegando Setembro faremos o balanço das coisas. Em
Outubro haverá eleições, dizem-nos os cartazes gigantes que embrutecem a
paisagem e os murais do Facebook inundados de fotografias de candidatos sorridentes,
invadindo as soleiras das portas. Mas por agora, fechemos Agosto, olhando mais
um pôr-de-sol ao som do mar e ao paladar de mais um copo…
quinta-feira, 31 de agosto de 2017
quinta-feira, 24 de agosto de 2017
Café Royal XXXIV
Agosto IV
O meu mar, o
mar pelo qual me apaixonei ainda antes dos dez anos de idade, é o mar das
ondas. O mar feito de agitação, energia e espuma. Há muitos anos atrás, quase
que noutra vida, o nosso tempo era medido no período das ondulações e no ciclo
das marés. Observar os ventos e as luas. Ler mapas meteorológicos como se
fossem mapas de tesouro. Em busca da melhor ondulação, da melhor onda. Naquele
tempo a costa norte da ilha era local proibido, onde morriam pessoas afogadas.
Mas, para nós, era o prometido paraíso de praias desertas, baías impolutas e
vagas. Intermináveis dias de ondas. De manhã, dizíamos que íamos para o Pópulo,
a pé, e apanhávamos boleia às escondidas na estrada da Ribeira Grande antiga
para chegar ao Monte Verde e aos Areais, o pico da ganza, Santa Iria e Rabo de
Peixe, a direita da piscina. Nada disto existe mais. Nem mesmo nós. Tudo mudou,
inclusive nós. Porém, a magia do tempo é também essa, na forma como nos
transformamos com o seu passar. O mar de hoje, o mar de Agosto, é calma e
serenidade. O mar refrescante e doce de pequenos balanços e de sol radioso. O
mar dos fins de tarde longos de verão e das noites passadas em fato de banho. O
mar das crianças, rindo e pulando nas mínimas espumas feitas vagalhões aos seus
olhos pequeninos. Sentado no balcão, olhando o Garajau que mergulha no espelho
das águas, o trânsito de barcos em torno do ilhéu, olho o mar e deixo-me
abraçar pelo seu tempo que passa fluindo…
quinta-feira, 17 de agosto de 2017
Café Royal XXXIII
Agosto III
“Estás cá?
E, quando é que te vais embora?”. O mais velho e caricato chavão de Agosto. Na
euforia das férias, habitantes e veraneantes, cruzando-se nas praias, nos
restaurantes, nas ruas, nas infindáveis festas, trocam olhares de alegria ou de
enfado. Perdidos no tempo, questionamo-nos mutuamente sobre quando chegamos à
ilha para logo de seguida perguntar, de chofre, quando partimos, numa
impressionante ânsia de afastamento, como se a verdadeira essência do ilhéu
fosse estar sozinho, apartado de tudo e o súbito enxame de pessoas novas fosse aflitivo
e desagradável. Lembro-me como esta frase me incomodava quando era jovem e
fazia parte dos que visitavam a ilha. Agora, que aqui vivo, vejo-me a repeti-la
com a mesma ênfase, nessa surpresa inquietante de ver novas caras nos sítios do
costume. Como se só no Inverno a ilha fosse verdadeiramente e em Agosto a ilha
fosse o Centro Comercial Colombo… Mas, na verdade, Agosto é a ilha, com a
plenitude do mar e as tardes calmas, os mariscos, os amigos, os passeios, as
idas de casa em casa rememorando histórias e estreitando laços e amizades,
novas ou velhas. Saindo da ilha em Agosto (mesmo que seja para celebrar a
imensa alegria de ver a alegria nos outros…) compreendemos, olhando novamente o
mar, que Agosto é o tempo do regresso e do recomeço e começar de novo é uma
parte essencial da vida. Tal como partir, ou voltar…
Café Royal XXXII
Agosto II
Por entre as
intermitências do tempo apenas o mar se faz constante. O barulho do mar. O
barulho das ondas, que quebram em estrondo nas rochas e invadem a casa de som.
De dia, no balcão, sob a sombra do alpendre, no sopro fresco do vento. De noite,
entrando sorrateiras, por entre as frinchas das portadas, no escuro do quarto. As
intermitências do clima e o barulho do mar, sempre presente. Olhando o Ilhéu
pergunto-me se este será constante, ou antes uma permanência, como um ensejo
rochoso de perenidade. Quando tudo entre mim e o horizonte é mutável, breve,
frágil como a espuma das vagas encapeladas na superfície do mar. Pergunto-me da
permanência da garça que pousa todas as tardes no calhau em frente do balcão,
que eternidade procurará o bico da garça nas pedras, que imortalidade terá a
sua pose elegante para lá da memória impressa no meu olhar… Ou então, serei eu
a intermitência? E o tempo, o clima, permanentemente variável, será mais eterno
do que o meu olhar sobre ele? Olhando o barco do ilhéu vejo sempre as mesmas
pessoas, mesmo sabendo que só barco e mestre são os mesmos. Passam os dias na
intermitência de Agosto, entre o calor, a humidade, o sol e a neblina, passam
perante a solidez dos muros e das madeiras da casa e a cândida fragilidade do
meu olhar e disto tudo sobreviverá apenas o mar, talvez a garça, o ilhéu, o céu
e, quem sabe, o horizonte…
quinta-feira, 3 de agosto de 2017
Café Royal XXXI
Agosto
É quente,
melado, quase colante. É vagaroso. Líquido, como as águas. Agosto é o mar, de
águas tépidas e banhos. Lentos banhos de mar em águas translucidas, marinhas.
Os corpos flutuando na linha da maré, a pele salgada de um dia para o outro
quando dormimos com as ondas no corpo, o balanço sincopado das ondas embalando
os sonhos nas noites cálidas de Agosto. Os dias tépidos, transpirantes, de luz
difusa e o sol incandescente brilhando na areia das praias, brilhando nas gotas
de água gotejando da pele bronzeada. Os infinitos por-de-sol em horizontes
espalhados de cor, cores ardentes de fogo celeste e da atmosfera da terra e do
omnipotente sol de Verão. Agosto de vagar, de amigos, de copos, cervejas e
mariscos. Garrafas geladas de vinhos brancos do Pico. Peixes frescos grelhados.
A beleza do mar nos nossos paladares saciados, deleitados. Agosto de redes
baloiçando no balanço da brisa abrigada na sombra do metrosidero e do som das
ondas quebrando ritmadamente nas rochas esquecidas. Agosto de regressos e
reencontros, de voltas e passeios. Retornos à primeira felicidade da infância,
a memória iluminada das férias grandes em que trepávamos árvores gigantes e nos
vestíamos em fatos de areia negra quente. Ah! Agosto. Esse querido mês de
Agosto. Esse gosto de gostar de Agosto…
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