> 1 - Do que vivemos em 2019, sente que 2020 vai ser
muito diferente nos Açores, no plano geral, em termos económicos e políticos?
Certamente que sim. Desde logo, e começando pela parte
política, porque 2020 será um ano de eleições regionais, ao que acresce o facto
de o PSD-Açores arrancar o ano com uma nova liderança e um congresso regional.
Estes dois factores farão com que o ano político seja marcado, essencialmente,
pelo esforço do PS-Açores em manter a sua maioria absoluta no parlamento e pela
tentativa, por seu lado, do PSD-A de roubar essa maioria. Este confronto vai, certamente,
mudar o cenário de quase estagnação a que assistimos, não só em 2019, mas nesta
última legislatura.
Quanto ao resto, sinceramente, não me parece que possam
surgir grandes mudanças ou surpresas, tirando os casos em investigação
judicial, mas já lá vamos. As grandes questões políticas, económicas e sociais
dos Açores são crónicas e não creio que no quadro do actual modelo político da
autonomia regional se consigam resolver: a ausência de um modelo de
desenvolvimento económico sustentável, essa palavra tão na moda, mas tão
vilipendiada pelos próprios políticos; as profundas desigualdades sociais; os
índices de pobreza; os desequilíbrios e os ódios, principalmente os ódios, pequeninos
e mesquinhos, entre as ilhas; o peso excessivo da administração pública no
emprego, associado à ausência de alternância democrática. Tudo isto são
problemas crónicos, que já vêm de décadas, que continuaram em 2019 e que se vão
perpetuar em 2020.
Agora, indo às questões mais concretas, há, obviamente,
assuntos que forçosamente terão que ter alguma evolução em 2020. À cabeça, o
dossier SATA. O governo não pode correr o risco de viver um ano eleitoral sem
que o problema da SATA esteja resolvido ou, pelo menos, contido. Veremos se
isso será possível e se sim com que consequências, para a empresa e para os
Açores e os açorianos. No plano económico há também grandes incertezas quanto
ao comportamento do sector do turismo, por exemplo, uma área altamente sensível
e que neste governo tem sido confrangedoramente maltratado. O Turismo tem sido
a alavanca da nossa economia e é um sector fortemente dependente de dois
vectores: a qualificação da oferta do Destino, onde pouco ou nada foi feito, e
a promoção externa do Destino. Ora, o actual governo entregou totalmente na mão
dos privados o importantíssimo dossier da promoção, ao que acresce o facto de
essa alteração ter demorado cerca de três anos e veremos se não vamos começar a
sentir já os efeitos perniciosos desses três anos de total ausência de uma
estratégia efectiva e eficiente de promoção turística.
Quanto aos casos de
justiça, esperamos que 2020 traga finalmente alguma conclusão aos incontáveis
casos que assolaram a política regional nos últimos anos. O caso Gaudêncio, a
operação Asclépio, a ATA, a SPRHI, e outros que possam ainda surgir, podem vir
a ter um impacto imprevisível na política regional. Embora, o estado
depauperado em que se encontra o Ministério Público na região nos leve a crer
que dificilmente se poderão esperar grandes desenvolvimentos. Este é, aliás, um
gravíssimo problema, que deveria provocar um profundo sobressalto social nos
cidadãos e nos políticos em particular, são eles os maiores prejudicados com o
eternizar de suspeitas e a indefinição destas acusações. Este é um problema que
corrói a nossa democracia, que envenena a confiança dos cidadãos nos
governantes e que devia, realmente, merecer a maior atenção de todos. E não é
com promessas vãs de delações premiadas que se resolve o problema. É dotando o
Ministério Público e as instituições judiciais com meios, técnicos e humanos,
que estes casos podem ser resolvidos de forma célere e independente, doa a quem
doer.
> 2 - As eleições regionais são acontecimento incontornável
neste 2020. Qual a sua percepção em termos de estratégias dos partidos e da
mobilização dos eleitores?
No meu entender, as grandes questões que se vão colocar nas eleições
regionais de 2020 são a maioria absoluta e a abstenção. O resto são minudencias.
O principal objectivo do PS-Açores é manter a sua maioria absoluta e para isso
vai usar todas as armas ao seu alcance, começando, obviamente, pela máquina
governativa e, por essa autêntica fonte da eterna juventude, que é a gestão dos
fundos europeus. Derramar o elixir dos euros sobre as ilhas é meio caminho
andado para as vitórias eleitorais. Resta saber, se isso será suficiente para
fazer esquecer o óbvio desgaste que o partido e a governação sofrem neste momento
junto do eleitorado. A imagem política de Vasco Cordeiro, que é visto ainda
como um homem-bom, sofre uma clara erosão com a arrogância, a prepotência e, em
muitos casos, a incompetência dos quadros superiores e intermédios de que se
rodeou no governo e no partido. Aliás, a própria mobilização do partido vai
estar marcada pela percepção que for possível fazer, pelos militantes, sobre o
pós-Vasco Cordeiro. E, não creio que a ideia que se parece estar a estabelecer
de que o putativo sucessor de Vasco Cordeiro possa vir a ser Francisco César
augure um grande futuro para o Partido Socialista açoriano. É nesse jogo de
percepções que se vai apostar a possibilidade, ou não, de uma maioria absoluta
para o PS-A.
Do lado do PSD, o grande desafio é convencer os eleitores de que
é, de facto, possível tirar a maioria ao PS, sem que com isso os Açores caiam
em qualquer espécie de caos ou de pântano. O PSD-A tem que convencer um eleitorado
tendencialmente conservador e atreito a grandes mudanças, atávico até, diria
eu, de que é possível fazer essa mudança de uma forma ponderada e construtiva.
É quase como se o verdadeiro adversário do PSD não fosse o Governo e o PS, mas
antes esse excessivo conservadorismo do próprio eleitorado açoriano. Se Bolieiro
conseguir fazer passar a mensagem de que, ganhando ele ou não, a era do PS já chegou
ao fim, pelos próprios erros do PS, aliás, então sim poderemos ter uma surpresa
lá para Outubro. Se não, basta ao PS-A agitar a figura imponente de Vasco
Cordeiro para garantir uma vitória nas eleições.
A segunda questão é, de facto,
a abstenção. Os Açores, com os níveis repetidos de abstenção que tem tido,
caminham, a passos largos, para não serem uma verdadeira democracia. Quando as
eleições são ganhas com a manipulação de uns quantos votos, em meia dúzia de
freguesias chave, quase ao jeito de sindicatos de votos, então não são realmente
democráticas. E não podemos deixar que este cenário cresça ou, sequer, que
continue. Na minha opinião, em todas as freguesias em que a taxa de abstenção
seja superior a cinquenta porcento, as eleições deviam ser repetidas. Obrigando-se
assim os partidos a um maior esforço de clarificação e mobilização dos
eleitores e, por seu lado, os eleitores a um maior compromisso com a democracia
e a governação. Para além, claro, da abertura da Assembleia Legislativa Regional
à candidatura de listas de cidadãos, mas isso, na nossa presente partidocracia
parece-me mais ou menos impossível, infelizmente.
De qualquer modo, pelo menos
para os comentadores, 2020 vai ser um ano rico em matéria prima.
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