O mexilhão
Com a mesma febre com que confinaram, as autoridades correm
agora a desconfinar. Só que, o desfechamento vem envolto na mesma indecisão e
arbitrariedade do fechamento anterior. E, no meio dessa correria, entre o cerra
e o descerra, quem se entala, como Martim Moniz na porta do castelo, somos nós,
os cidadãos eleitores e contribuintes. O, proverbial, Zé Povinho. O
desempregado, o trabalhador em layoff, o pequeno empresário, o precário do
recibo verde, o preto, imigrante, repositor do centro de logística da Azambuja,
morador no Bairro da Jamaica, a quem lhe fecham a tasca mas ao patrão não
mandam fechar a fábrica e, o trabalhador por conta própria, que descobriu agora
na pele, o significado exacto da “conta própria”. Mas, em nenhum momento, nem na
monástica clausura do distanciamento, nem agora, no arraial mascarado do desconfinamento,
a que chamam, sem sarcasmo, de “novo normal”, ninguém, nem político, nem
enfermeiro, nos explicou, com exactidão e certeza, a necessidade ou a eficácia de
cada decisão. Nem, tão pouco, nos oferecem uma justificação, ou, por caridade,
um mea culpa. Como sempre, a culpa, morre solteira e quem se lixa é o
mexilhão e o mexilhão, mais uma vez, somos todos nós…
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