Deu nota recente a comunicação social do nonagésimo quinto aniversário da abertura do Hotel Terra Nostra. Na informação veiculada refere-se que o Hotel Terra Nostra foi “idealizado”, cito, por Vasco Bensaude, e que, o mesmo “Naquela freguesia remota, em 1935, […] fez nascer um hotel de luxo”. Longe de querer rebater tais informações ou sequer contestar o relevante papel de Vasco Bensaude no desenvolvimento da ilha e da região e, em particular, do turismo açoriano, a factualidade do expresso é equivoca e merecedora de esclarecimento.
A constituição da Sociedade Terra Nostra, promotora do
turismo na ilha de São Miguel, data de 1933, tendo como sócios fundadores o Dr.
Lúcio Agnelo Casimiro (1879-1951), o Dr. Augusto Rebelo Arruda (1888-1964) e o
Dr. Francisco Bicudo de Medeiros (1893-1972), que, unidos na sua visão de uma
ilha mais próspera e moderna, tanto económica como socialmente, constituíram
essa Sociedade, já com os objetivos claros de tornar o vale das Furnas num
centro turístico local e, assim, projetar a ilha de São Miguel nacional e
internacionalmente.
É disso prova indesmentível a reabertura do Casino das
Furnas, em Agosto de 1933, e a grande Exposição Comercial, Industrial e Agrícola,
aí realizada em Setembro do mesmo ano, da qual a imprensa coeva deu ampla nota,
e cujo “week end”, promovido pela Sociedade Terra Nostra, com jantares,
bailes e ofertas exclusivas de alojamento, no então Hotel Atlântico, que ficou conhecida
como a “semana dos nove dias”, foi um pioneiríssimo evento de promoção
das Furnas e da Ilha de São Miguel enquanto potenciais destinos turísticos.
Ainda no final de 1933, os sócios fundadores abrem à
subscrição pública, na ordem mínima dos 1.000$00, as quotas da empresa, não só
como forma de angariar verbas para as suas iniciativas e investimentos futuros,
mas como forma de galvanizar a sociedade micaelense para as oportunidades desta
nova e promissora indústria. Data dessa altura a entrada de Albano da Ponte,
Francisco Faria e Maia e Luís Bernardo Athayde no capital da Sociedade, importantes
figuras da comunidade micaelense de então que, com a sua visão e cultura, muito
contribuíram para o engrandecimento da empresa.
Desde a sua fundação, que a Sociedade Terra Nostra pretendia
concretizar relevantes investimentos, não só na promoção turística da ilha de
São Miguel, mas, também, na infraestruturação da sua oferta turística. Como o
“Bureau de Turismo”, a Pensão Terra Nostra e a Casa Regional, a reabilitação do
Hotel Atlântico em Hotel Terra Nostra, em conjunto com a aquisição do Parque Terra
Nostra, antigo Jardim do Tanque do Marquês da Praia e Monforte, e a sua ligação
ao Casino e, mesmo, a construção do Campo de Golfe, na Achada das Furnas, cujo projeto
fora encomendado ao reputado arquiteto escocês Mackensie Ross.
É a ambição e a grandeza de tais investimentos que leva às
negociações entre a Sociedade Terra Nostra, nomeadamente do seu sócio fundador
Augusto Arruda, com Vasco Bensaude, que tinham já uma relação antiga como empreendedores
e de colaboração mútua e de amizade, para a entrada deste último como investidor
e sócio na Sociedade Terra Nostra. Desiderato que se viria a formalizar em
novembro de 1933.
Nada, do anteriormente exposto, minimiza ou contraria a
importância de Vasco Bensaude como investidor e empreendedor no desenvolvimento
da Sociedade Terra Nostra e, consequentemente, no desenvolvimento da indústria
do turismo nas Furnas, em São Miguel ou nos Açores. Mas, representaria uma
injustiça histórica omitir o papel fundamental de alguém como Augusto Arruda,
político, advogado e empresário, fundador também da SATA, na constituição, idealização
e promoção da Sociedade Terra Nostra, em si, e dos seus mais visionários e
significativos projetos, como são o caso do Hotel Terra Nostra das Furnas ou do
Hotel Terra Nostra de Santa Maria, ou outras iniciativas que, ao longos das
décadas subsequentes, cimentaram a região como destino turístico de excelência
no imaginário nacional e internacional.
Por último, importa também destacar a instrumental participação
do então jovem artista Manuel António Vasconcelos que, com a sua visão
modernista e experiência dos maiores centros urbanos continentais, como Paris e
Bruxelas, imprimiu aos investimentos da Sociedade Terra Nostra, o seu visual característico,
marcado pela estética art déco, e que cimentaram definitivamente o
sucesso e a relevância desses mesmos empreendimentos, até aos dias de hoje.
Endereçando as devidas felicitações, e votos de sucessos
futuros, ao Grupo Bensaude, não poderia, no entanto, em boa consciência, deixar
que tão relevantes omissões fossem passadas em claro quanto ao nascimento e
desenvolvimento da Sociedade Terra Nostra, enquanto parte integrante, não só da
história de um grupo económico específico e dos muitos que para tal
contribuíram, mas como parte essencial da nossa história comum como comunidade,
como ilha e como região.
Pedro Arruda, Vila Franca do Campo, 17 de Abril de 2025.
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