quarta-feira, 30 de abril de 2025

Speakers' Corner 30

O grande apagão e a globalização do lucro

Amanhã é Dia do Trabalhador. A data, instituída no âmbito da segunda Internacional Socialista, assinala a Greve de Chicago, quando, no dia 1 de maio de 1886, um grupo de trabalhadores de diferentes fábricas dessa cidade americana se uniram numa grande greve geral para reivindicar melhores condições de trabalho, em especial a segurança e a redução da jornada de trabalho que, na altura, era de 17 horas diárias. Organizadas durante vários dias, as manifestações viriam a descambar em confrontos. No dia 3, os grevistas da McCormick Company, reunidos em protesto na Haymarket Square, entraram em luta com a polícia e os “detetives” da Agência Pinkerton, contratados pelos patrões para aplacar os grevistas, resultando em dois mortos, despoletando uma sequência de dias de conflitos, entre bombas, motins e manifestações, terminando num processo judicial que levaria à condenação à morte de quatro dirigentes anarquistas. Uma luta que haveria de marcar o movimento sindical mundial nas décadas seguintes.

Em 1889, no congresso da segunda Internacional Socialista, criada por Friedrich Engels, o 1º de Maio foi instituído como Dia Mundial do Trabalhador e, também, o 8 de Março, proposto como Dia Internacional da Mulher, numa afirmação da verdadeira fraternidade dos movimentos progressistas a nível global. É importante notar, dentro do contexto histórico do final do sec. XIX e do início do sec. XX, onde o choque entre impérios dominava a política mundial, que foi uma organização de trabalhadores a imaginar e propor uma grande união internacional, que extravasava as fronteiras nacionais ou patrióticas, fundamentada nos valores humanistas e representando os interesses de todos os trabalhadores do mundo. Isto muito antes do Tratado das Nações, que só viria a unir o mundo em 1945, no rescaldo do extermínio da Segunda Guerra Mundial.

Ao longo das décadas seguintes e até aos dias de hoje, no permanente conflito entre forças conservadoras e progressistas, na velha luta entre capital e trabalho, não deixa de ser irónico que, no contexto atual, tenha sido a globalização do lucro a estabelecer-se como hegemónica a nível mundial e a luta dos trabalhadores seja vista hoje como um movimento anacrónico e esquecido no pó dos cadafalsos da história. Hoje, é a própria Internacional Socialista, cujo hino apelava a uma “terra sem amos”, que vive amordaçada no peso da ditadura do capital, capturados os partidos pela opressão do financiamento. E são organizações dúbias como o World Economic Forum, do inefável Sr. Schwab, que comandam as políticas internacionais e as interdependências entre países. Também não deixa de ser simbólico que o novo líder desta organização de representantes não eleitos dos maiores interesses económicos globais seja um senhor chamado Peter Brabeck-Letmathe, ex-CEO da Nestlé, que ficou famoso por sugerir que a água não era um direito universal, mas antes uma commodity, privatizável e comerciável, na incessante prossecução do lucro das grandes corporações internacionais. A globalização e o internacionalismo, alicerçados no primado da pessoa humana e nos direitos dos cidadãos, cujos valores foram reacendidos pelas lutas das duas internacionais socialistas, foram vencidos pela internacionalização do lucro e da avareza do comércio global. O recente apagão ibérico, a que assistimos não sem alguma dose de choque e pavor, foi disso um bom exemplo, com um bem essencial à vida contemporânea, a energia elétrica, refém dos interesses corporativos de uma empresa detida a mais de 80% por grandes multinacionais estrangeiras e operando sem controlo, ou segurança, no liberalizado mercado ibérico da energia.

Einstein, ele próprio um socialista, dizia que três grandes forças dominavam o mundo: a estupidez, o medo e a ganância. A realidade deu-lhe mais uma vez razão - na estupidez, no medo e, principalmente, na insaciável ganância do capitalismo global.

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