2018 foi um ano horrível
para Vasco Cordeiro. Talvez, até, o mais difícil desde que tomou posse como Presidente
do Governo. Na esteira da Operação Asclépio o escândalo dos vencimentos da
Arrisca. O desastre do Mestre Simão. O dramático fecho da Cofaco do Pico. O processo,
intempestivo, da “reforma” do SPER, coisa que ainda se arrasta, penosamente. O inqualificável
escândalo das evacuações médicas. A hipocrisia das viagens dos deputados. O braço
de ferro com os professores. A estagnação estatística do Turismo. A triste telenovela
da privatização falhada da SATA Internacional. Os maus tratos na Santa Casa. As
suspeitas de corrupção na ATA. Entretanto e pelo meio, uma remodelação falhada,
um governo descredibilizado e bicéfalo, onde a altivez da Vice-presidência se
agudiza a cada dia. O bairrismo serôdio entre as ilhas, que cresce e se metastiza.
O PS Açores alcandorado na vulgaridade e o PSD Açores que elegeu um jovem líder
de quem se diz ser um predestinado. Perante isto, na sua mensagem de Natal, Vasco
Cordeiro pediu exigência, justiça, rigor e profissionalismo, começando, de
forma cândida, por si próprio. Tenhamos esperança…
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
quinta-feira, 20 de dezembro de 2018
Café Royal CIII
Estado falhado
Na sua omnipresença
habitual e a propósito do mortal acidente de um helicóptero do INEM, o
Professor Marcelo fez saber que o Estado, mais uma vez, falhou. O Estado falhou
em administrar o território na tragédia dos incêndios. O Estado falhou em
garantir a integridade das Forças Armadas em Tancos. O Estado falhou em Borba e
o Estado falhou, também, novamente, na garantia de socorro atempado àqueles que
deram a vida “para que outros vivam”.
Mas, se é fácil a martirização dos sucessivos governos perante esta ubiquidade
da tragédia, era, talvez, mais importante que este tímido “mea culpa” da classe política, encetado pelo Sr. Presidente, fosse
bastante mais profundo. O Estado falhou, na crise financeira de 2008, na
supervisão do sistema bancário. O Estado falha, todos os dias, no combate à
corrupção. O Estado falhou, continua a falhar, na luta contra a pobreza e as
desigualdades sociais. O Estado falha na saúde, falha na educação, falha na
protecção social. Mas, onde o Estado falha, acima de tudo, é na percepção que
todos temos de que os políticos estão é ao serviço de si próprios e não dos
cidadãos. Esse sim, é o maior falhanço do Estado!
quinta-feira, 13 de dezembro de 2018
Café Royal CII
Décor
Recentemente, um jovem
casal dinamarquês fez-se fotografar, nu, no topo da grande pirâmide de Gizé,
convidando a ira das autoridades egípcias e o espanto das redes sociais. O
gesto, justificado pelos próprios como artístico, insere-se numa tendência que
consiste em tirar fotos onde as pessoas surgem enquadradas por locais
históricos e/ou paisagens, mais ou menos deslumbrantes (sendo que a parte da
nudez é opcional…). O que motiva os praticantes deste desporto não é a descoberta
dos locais e a sua fruição, ou a aprendizagem que essa descoberta obriga, mas
antes a pulsão egocêntrica do registo da presença, a obsessão do tag e do like. Marcel Proust escreveu que a verdadeira viagem de descoberta
consistia não em procurar novas paisagens, mas em encontrar novos olhos. A
ditadura dos hashtags consiste em
esvaziar por completo o acto de viajar de qualquer réstia de engrandecimento
interior, tornando-o um mero acumular de clicks.
Viajamos já não para aprender, mas para estar. Despimos por completo a
magnificência de Gizé e tornamo-nos no centro da paisagem. É como se o mundo
todo fosse apenas e tão só décor para a próxima selfie, com ou sem cuecas…
quinta-feira, 6 de dezembro de 2018
Café Royal CI
La Revolution
Não é a mais velha
profissão do mundo, mas é, talvez, aquela cujo impacto na História da
Humanidade tem sido, desde há milénios, bastante mais profundo – o cobrador de
impostos. Desde as tábuas de escrita cuneiforme, da Mesopotâmia, até aos “gilets jaunes”, da Paris de hoje, que o
impacto dos impostos na evolução das sociedades tem sido maior que o de
ideologias ou religiões. A fuga dos hebreus do antigo Egipto; a queda do
império romano; a Magna Carta; a independência dos EUA; o conflito entre
capitalismo e socialismo, são exemplos do papel que a tributação teve e tem no
desenrolar da História. E, importa realçar, que a questão é tanto o valor da
cobrança como a percepção, por parte do cidadão, da racionalidade da sua utilização
pelos Estados. Desde a crise de 2008 que somas totalmente obscenas dos nossos
impostos têm sido gastas a salvar o “sistema financeiro”. Entretanto, 1% da
população detém 45% de toda a riqueza mundial e, por exemplo, em França, o peso
da carga fiscal sobre o rendimento da população é de 40%! Et voilá, c´est lá revolution…
quinta-feira, 29 de novembro de 2018
Café Royal C
100
Perdoe o leitor o narcisismo da crónica. Mas, completa-se hoje o centésimo destes cafés. O espírito desta coluna, que tenho vindo a publicar ininterruptamente no mais antigo jornal português, é o da tertúlia, da livre partilha e debate franco de ideias. O Café Royal é tanto uma homenagem como um símbolo da importância que os cafés tiveram na construção de um determinado tipo de sociedade, aberta, reflexiva, pensante. Algo que, temo, esteja a acabar. Mas o Royal é, também, um ponto de encontro com a minha história pessoal, desde a primeira adolescência até hoje. Desde as primeiras cervejas e conversas, até aos lentos fins de tarde dedilhando solitariamente as notícias dos jornais nacionais. E sim, não me passa despercebida a ironia de um perigoso socialista reivindicar para si o Café dos independentistas. Mas, é exactamente desse respeito pelas ideias dos outros, mesmo aquelas com as quais descordamos, que deve nascer o progresso de qualquer sociedade. E esse é, enfim, o grande combate do nosso tempo, a luta ao sectarismo e à ditadura do pensamento único. Seja nos jornais, nos partidos ou nos cafés. É isso que continuarei a fazer aqui. Mais uma tulipa, sff…
in Açoriano Oriental
Perdoe o leitor o narcisismo da crónica. Mas, completa-se hoje o centésimo destes cafés. O espírito desta coluna, que tenho vindo a publicar ininterruptamente no mais antigo jornal português, é o da tertúlia, da livre partilha e debate franco de ideias. O Café Royal é tanto uma homenagem como um símbolo da importância que os cafés tiveram na construção de um determinado tipo de sociedade, aberta, reflexiva, pensante. Algo que, temo, esteja a acabar. Mas o Royal é, também, um ponto de encontro com a minha história pessoal, desde a primeira adolescência até hoje. Desde as primeiras cervejas e conversas, até aos lentos fins de tarde dedilhando solitariamente as notícias dos jornais nacionais. E sim, não me passa despercebida a ironia de um perigoso socialista reivindicar para si o Café dos independentistas. Mas, é exactamente desse respeito pelas ideias dos outros, mesmo aquelas com as quais descordamos, que deve nascer o progresso de qualquer sociedade. E esse é, enfim, o grande combate do nosso tempo, a luta ao sectarismo e à ditadura do pensamento único. Seja nos jornais, nos partidos ou nos cafés. É isso que continuarei a fazer aqui. Mais uma tulipa, sff…
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 22 de novembro de 2018
Café Royal XCIX
"Sair da ilha
…é a pior maneira de
ficar nela!” Sentenciou Daniel de Sá em Ilha Grande Fechada. Esta frase lapidar
sobreviverá ao romance e, injustamente, ao Escritor que foi Daniel de Sá.
Embora seja esse, enfim, o desígnio dos grandes, serem perpetuados pelas frases
e universais pela eternidade das palavras. O romance é um magistral retrato da
condição açoriana, principalmente na fixação que faz de um certo modo de ser
ilhéu. Logo a abrir, Daniel de Sá assinala: "Uma ilha grande, fechada, que
durante muito tempo só se abriu para deixar sair gente". Este é, talvez, o
mais acertado retrato da “açorianidade”, como lhe chamou Nemésio. Uma persona que assenta na aceitação, quase
monástica, da clausura da ilha. Como se o horizonte, o mar, fossem
aprisionamento em vez de livre navegação. Desde os primórdios do povoamento que
as ilhas se cerraram sobre si próprias. E, mesmo nos curtos períodos de
cosmopolitismo, desde Angra dos Filipes, à Horta dos Clippers, passando pelo
São Miguel de oitocentos, com as suas pequenas elites terratenentes abastadas
de laranja, que o essencial de um certo ser açoriano é a sua recusa em abraçar
o Mundo. E, até, em se deixar abraçar por ele…
quinta-feira, 15 de novembro de 2018
Café Royal XCVIII
Ilhas
As ilhas foram sempre território de mitos. Platão coloca a Atlântida numa ilha no Atlântico. Erasmus fez crescer a sua sociedade utópica numa ilha. Em A Tempestade, uma das últimas e, também, mais cativantes peças de Shakespeare, o mago Prospero, Duque de Milão, vive numa ilha acompanhado pela sua filha Miranda e os seus livros. As ilhas são eterna fonte de inspiração poética, desde a Ithaca de Ulisses à Ilha do Tesouro de Stevenson. Ou, essa encantatória Ilha dos Amores, com as suas voluptuosas ninfas. Ilhas mágicas e distantes onde, também, Antero se sonhou rei – “Sonho-me às vezes rei, n'alguma ilha, / Muito longe, nos mares do Oriente, / Onde a noite é balsâmica e fulgente / E a lua cheia sobre as águas brilha...”. Certamente que nas academias muitos já se terão debruçado sobre a ontologia das literaturas insulares procurando, quem sabe, um cânone de lavas incandescentes, horizonte e mar. Mas, se há coisa que os escritores das ilhas poderão verdadeiramente dar à Literatura é a sua infinita capacidade de criar pontes, diálogos, de cruzar os oceanos, estreitando as suas margens, numa aproximação que é, no fundo, a essência do ser Escritor.
quinta-feira, 8 de novembro de 2018
Café Royal XCVII
Ínfimas tiranias
É verdadeiramente
paradoxal que, tendo como força motriz a crítica à globalização, os movimentos “populistas”
estejam, agora, a globalizar-se. Paradigma desta tendência é o nosferatiano
Steve Bannon. O estratega da eleição de Trump, que abandonou a Casa Branca por
achar que este tinha capitulado face aos interesses da alta-finança
internacional, lançou-se numa campanha global, da Europa à América Latina, de
exportação dos seus ideais nacionalistas, protecionistas e xenófobos. Não será
fácil combater estes movimentos, como fica demonstrado pelas eleições
americanas de terça-feira passada, em que os candidatos trumpianos seguraram o
Senado e mesmo a “vitória” dos Democratas para a Câmara dos Representantes foi feita
à custa do que, simplisticamente, podemos chamar de “populismos de esquerda”. Talvez
o primeiro passo seja identificar o que une todos estes grupos, da extrema-esquerda
à extrema-direita. Estou em crer que o que está por detrás destes fenómenos é a
Intolerância! Aqueles que acreditam na Democracia terão que começar por aí:
pela defesa intransigente dos valores da Tolerância e da Liberdade. Sob pena de
o nosso futuro ser de completa e ultrajante subjugação a um incomensurável
número de ínfimas tiranias.
quinta-feira, 1 de novembro de 2018
Café Royal XCVI
Cuidar
“Não herdamos a Terra dos nossos antepassados, Ela é-nos emprestada
pelos nossos filhos.” Regresso, com frequência, a este velho provérbio das
tribos nativas da América do Norte, pela sua simplicidade e sabedoria. Descobri
esta frase através de um anúncio de uma famosa marca de relógios – “Nunca somos donos de um Patek Philippe,
apenas tomamos conta dele para a próxima geração.” – e, para um
colecionador como eu, a mensagem ressoou intimamente de forma genuína. A
verdade subjacente a esta mensagem é de uma singeleza desarmante. Nós não somos
donos da Terra. Ela é uma dádiva, que nos cumpre proteger e legar às gerações
vindouras. Também as coisas, ou os bens materiais, que ansiosamente buscamos,
não são verdadeiramente nossos. São memórias, afectos, que, um dia, no fim
desta vida tão frágil e curta, deixaremos para aqueles que vierem depois de
nós. Esta consciência da nossa finitude, da nossa absoluta transitoriedade, é,
deveria ser, um princípio fundamental da nossa actuação no dia-a-dia, para connosco,
para com os outros, para com o lugar e o tempo em que vivemos. Cuidar que
cuidamos em vez de destruir. Aplica-se a tudo na vida.
quinta-feira, 25 de outubro de 2018
Café Royal XCV
Os Partidos
Perante o absurdo e assustador crescimento dos movimentos ditos populistas, os media, a intelligentia, procuram desesperadamente encontrar uma explicação, um culpado, para o fenómeno. O mais recente arguido neste tribunal mediático são as redes socias e, mais concretamente, as chamadas “fake news”. Pretendem fazer-nos acreditar que a razão para o descalabro das democracias ocidentais e a chegada ao poder, democraticamente diga-se, de nacionalismos, fascismos e outras formas desarreigadas de populismo, está na disseminação artificial de mensagens falsas nas redes sociais e na incapacidade dos indivíduos em as descodificar e contrapor. Como se o mundo todo fosse habitado apenas por idiotas. Por mais apetecível que este argumento seja e, independentemente da sua parcial verdade, há um problema fundamental neste raciocínio. É que, não foram as “fake news” que minaram a confiança dos cidadãos no sistema político-partidário. Foi sim a progressiva e despudorada forma como os partidos políticos se auto-descredibilizaram, cegos pela ganância eleitoral e mergulhados, até aos ossos, em compadrios, amiguismos, nepotismo e escândalos de corrupção.
in Açoriano Oriental
Perante o absurdo e assustador crescimento dos movimentos ditos populistas, os media, a intelligentia, procuram desesperadamente encontrar uma explicação, um culpado, para o fenómeno. O mais recente arguido neste tribunal mediático são as redes socias e, mais concretamente, as chamadas “fake news”. Pretendem fazer-nos acreditar que a razão para o descalabro das democracias ocidentais e a chegada ao poder, democraticamente diga-se, de nacionalismos, fascismos e outras formas desarreigadas de populismo, está na disseminação artificial de mensagens falsas nas redes sociais e na incapacidade dos indivíduos em as descodificar e contrapor. Como se o mundo todo fosse habitado apenas por idiotas. Por mais apetecível que este argumento seja e, independentemente da sua parcial verdade, há um problema fundamental neste raciocínio. É que, não foram as “fake news” que minaram a confiança dos cidadãos no sistema político-partidário. Foi sim a progressiva e despudorada forma como os partidos políticos se auto-descredibilizaram, cegos pela ganância eleitoral e mergulhados, até aos ossos, em compadrios, amiguismos, nepotismo e escândalos de corrupção.
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 18 de outubro de 2018
Café Royal XCIV
Remodelar
As remodelações são
naturais em democracia. Podem nem sempre ser necessárias, mas momentos há em
que são imprescindíveis. No Terreiro do Paço, António Costa, pegou num problema
e tornou-o numa oportunidade fazendo uma remodelação, com rapidez, astúcia e firmeza.
O novo Governo é de combate e de protecção ao primeiro-ministro, até à almejada
maioria absoluta. Por cá, Vasco Cordeiro, não quis, não soube, ou não a
conseguiu fazer. Começava por devolver aos cidadãos a confiança nos
responsáveis da Saúde e Protecção Civil, totalmente destruída após o horrendo
episódio das evacuações. Podia, também, corrigir o excessivo peso da
Vice-presidência, devolvendo-se autonomia à Economia com uma Secretaria
própria. Ou, por exemplo, colocar a Cultura no Turismo. Acima de tudo, escolher
personalidades fortes, com peso político e, nunca, ter Directores Regionais com
maior “autoridade” do que os Secretários. A verdade é que, seja por manifesta
arrogância e autoritarismo, seja por descrédito, seja por incompetência e
irrelevância dos seus titulares, este Governo Regional precisa com urgência dessa
remodelação, sob pena de se perder a maioria absoluta.
quinta-feira, 11 de outubro de 2018
Café Royal XCIII
Cântico Negro
Quem olhe o estado do
mundo, hoje, mesmo que com “olhos lassos”,
não pode deixar de sentir desconforto, uma quase dor de quem sente que vivemos
o fim de uma era, o fim de um tempo de utopia e de esperança. Em nosso torno
são múltiplos os sinais de que o tempo das democracias liberais terminou. O
sonho de um mundo, construído por sociedades onde as liberdades individuais e o
princípio da solidariedade entre indivíduos e gerações seriam a base da
organização dos estados, sucumbiu à ditadura dos números. Todo o discurso
político foi contaminado, como se por um vírus, por défices, taxas, dívidas,
índices, juros, ratings e todo um infindável jargão de economices, com que os
titereiros da política e do capital manipulam o espaço público. Algures no
caminho deixamos que se perdesse o humano e tudo se tornou refém do número. É
natural que assim seja quando, por estes dias, o que constatamos à nossa volta
são políticos emproados a discutir as décimas do défice e a percentagem do PIB
na dívida, sem que, nunca, se considere o simples, mas fundamental, bem-estar
dos cidadãos… “Não, não vou por aí!”
quinta-feira, 4 de outubro de 2018
Café Royal XCII
#EleNao
No domingo, o Brasil vai
a votos, naquela que é, certamente, a mais inacreditável campanha eleitoral de
sempre para a escolha de um Presidente. Mesmo num país onde um gorila já foi
candidato a deputado e um artista de circo ficou célebre pelo seu slogan “Pior do que tá não fica, vote Tiririca”.
Mergulhado em escândalos de corrupção, depois do impeachment de Dilma e do
mandato do vampiresco Temer, o Brasil está mais dividido do que nunca. De um
lado, a Esquerda, órfã de Lula (preso e impedido de concorrer), tenta
consolidar Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, como a face reformista de
um PT acossado pelos escândalos de corrupção. Do outro lado, a Direita, aparece
tombada para a sua extrema com Jair Bolsonaro, ex-militar na reforma, como o
líder das sondagens. Os últimos inquéritos davam a Bolsonaro 31% das intenções
de voto. E o que torna estas eleições brasileiras tão inacreditáveis é mesmo
Bolsonaro. Escassos 33 anos após o fim de uma Ditadura Militar, que durou 21, os
brasileiros parecem acolher com entusiasmo um candidato cuja visão política
comporta opiniões como esta – “o erro da
ditadura foi torturar e não matar”. #EleNao!
quinta-feira, 27 de setembro de 2018
Café Royal XCI
Honrar Antero
A “Questão Coimbrã” foi uma
das mais célebres polémicas da história nacional. Choque intelectual entre duas
gerações, opôs o jovem Antero de Quental e o velho António Feliciano de
Castilho. No cerne da disputa estavam duas concepções distintas do papel da
literatura na sociedade. Para Antero e a sua “Geração de 70”, a literatura
deveria ser o motor da revolução social, por oposição à visão imobilista e
ultrarromântica daquilo a que Antero chamou a “Escola do Elogio Mútuo” e cujo
centro era Feliciano de Castilho. Mas, mais do que uma disputa literária, esta
foi uma discussão política, marcada pela visão positivista ou, mais ainda,
socialista de Antero. Sabendo isto, é com enorme estupefação que vimos um
excerto da carta “Bom Senso e Bom Gosto”, de Antero, a epigrafar a Moção de
Estratégia de Alexandre Gaudêncio ao Congresso do PSD/Açores. Escolher Antero
como figura tutelar só pode significar duas coisas: ou Gaudêncio não sabe quem
foi Antero, o que é grave, ou pretende um PSD/A socialista e revolucionário, o
que seria surpreendente. Porém, o que as duas mostram é uma enorme e confrangedora
falta de cultura política e literária.
quinta-feira, 20 de setembro de 2018
Café Royal XC
Os Areais
Naquele tempo, íamos surfar, às escondidas, para o Monte Verde. A primeira vez que fomos aos Areais foi com o Armindo e o Marco Sousa. Entrando pelo lado onde hoje é o Tuká Tulá, não havia praia. Era um imenso calhau, espécie de despojos da rapina dos apanhadores ilegais de areia. Do outro lado, junto ao morro de Santana, a entrada era feita pela estrada. Seguíamos por um caminho de terra e descíamos o pequeno carreiro na falésia até à praia, ao encontro daquele lugar paradisíaco e incólume, apenas nós e algumas das mais fantásticas ondas da ilha. Hoje, a praia dos Areais de Sta. Barbara é uma das melhores e mais utilizadas zonas balneares da ilha e é, também, um importante cartaz turístico, fruto da projecção global dos campeonatos de Surf. E é com um enorme orgulho que sei que o aproveitamento e qualificação de um valioso pedaço desta ilha se ficou a dever, também, ao empenho e vontade de um pequeno grupo de surfistas. Os Areais são um feliz exemplo de como as boas vontades, se bem orientadas, podem trazer benefícios para todos. Quão bom seria se esse exemplo fosse seguido, por outras pessoas, noutros lugares destas ilhas…
in Açoriano Oriental
Naquele tempo, íamos surfar, às escondidas, para o Monte Verde. A primeira vez que fomos aos Areais foi com o Armindo e o Marco Sousa. Entrando pelo lado onde hoje é o Tuká Tulá, não havia praia. Era um imenso calhau, espécie de despojos da rapina dos apanhadores ilegais de areia. Do outro lado, junto ao morro de Santana, a entrada era feita pela estrada. Seguíamos por um caminho de terra e descíamos o pequeno carreiro na falésia até à praia, ao encontro daquele lugar paradisíaco e incólume, apenas nós e algumas das mais fantásticas ondas da ilha. Hoje, a praia dos Areais de Sta. Barbara é uma das melhores e mais utilizadas zonas balneares da ilha e é, também, um importante cartaz turístico, fruto da projecção global dos campeonatos de Surf. E é com um enorme orgulho que sei que o aproveitamento e qualificação de um valioso pedaço desta ilha se ficou a dever, também, ao empenho e vontade de um pequeno grupo de surfistas. Os Areais são um feliz exemplo de como as boas vontades, se bem orientadas, podem trazer benefícios para todos. Quão bom seria se esse exemplo fosse seguido, por outras pessoas, noutros lugares destas ilhas…
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 13 de setembro de 2018
Café Royal LXXXIX
A Escola
Vão recomeçar as aulas. Como
se o fim do Verão e as agruras típicas do regresso ao trabalho não fossem, já
de si, angustiantes o suficiente, eis que, de supetão, cai sobre pais e filhos,
professores e alunos, o tormentoso turbilhão do regresso à escola. Os horários,
as actividades extracurriculares, os manuais, os materiais, as mochilas, as
roupas, todo um infindável rol de pequenos/grandes problemas que, por estes
dias, consomem quase por completo uma grossa fatia da sociedade. Até aos avós
hão de chegar as ondas de choque do ano lectivo. As nossas sociedades
transformaram a Escola num espaço de contenção das crianças e, até, em certo
sentido, dos pais. A padronização e sistematização dos processos e das regras do
sistema educativo criaram um ambiente quase que opressor para todos os que, de
uma forma ou de outra, lidam com a Escola. Horários rígidos e excessivamente
longos. Currículos padronizados, avaliações quantitativas. (Já para não falar
nessa instituição arcaica chamada “trabalhos de casa”, que transporta a escola
para dentro da vida familiar, desesperando as crianças e infernizando os pais).
Valerá a pena perpetuar este sistema?
quinta-feira, 6 de setembro de 2018
Café Royal LXXXVIII
Vontade
Depois de uma
apresentação mediática, foi ontem tornada pública a Moção de Vasco Cordeiro ao
próximo Congresso do PS Açores. O documento aponta 3 grandes áreas de actuação:
Afirmação dos Açores no contexto nacional e internacional; Coesão entre as
ilhas; Qualificação da Democracia. Dos 3, há um que merece destaque – “Reforçar
a Coesão Partindo da Diferença”. Aí é expressa a intenção de olhar para o desenvolvimento
económico e social das ilhas, partindo da identificação e valorização das
diferenças entre elas e já não da tentativa de as tornar iguais, algo que
culminou na efervescência bairrista que os Açores vivem hoje. O que fica por
saber é se esta ambição de Vasco Cordeiro, em si válida e extremamente
necessária, se resumirá apenas a um mero texto de uso político. Ou, pelo
contrário, mais do que uma mera ambição, a sua vontade é levar realmente a
cabo, ilha a ilha, este novo paradigma de governação. Se for assim, esse será o
seu maior legado à Região e um cortar, definitivo, com as políticas, e os
políticos, do passado. Esperemos que sim…
quinta-feira, 30 de agosto de 2018
Café Royal LXXXVII
Estagnar
“Na Região Autónoma dos
Açores, no mês de junho, as dormidas nos estabelecimentos hoteleiros registaram
um decréscimo homólogo de 6,1%.” Começava assim o destaque do SREA sobre o
Turismo. Visto assim, e para quem souber ler estes áridos documentos, o que
fica é que a evolução do Turismo na Região está a desacelerar, se não mesmo a
estagnar, depois dos enormes crescimentos, de mais de 20%, a que assistimos
desde a liberalização do espaço aéreo. Esta semana, num esforço pueril de
mascarar os números, o SREA agitou-nos a bandeira de que as dormidas em AL
tinham crescido 32,5% no primeiro semestre deste ano. Por melhor que isto seja,
a dura realidade é que o AL apenas representa cerca de um quarto do total de
dormidas da região. E, verdadeiramente preocupante, é o facto de, em Junho, a
taxa de ocupação na Hotelaria Tradicional ter sido, apenas, de 62%. Se
juntarmos a isto o facto de as dormidas de estrangeiros terem caído quase 10%
temos os dados suficientes para estarmos todos muito, mas mesmo muito,
preocupados. Oxalá o Governo já tenha pedido a devida auditoria externa…
quinta-feira, 23 de agosto de 2018
Café Royal LXXXVI
Comunhão
Imagine o leitor que não havia hortênsias, azáleas, beladonas, na berma da estrada. Extinguiam-se as longas e perfumadas escarpas de conteiras. As misteriosas matas de criptoméria. Imagine que não havia muros de pedra seca tecendo as montanhas com laboriosas esquadrias. Que se evaporavam as vacas. Desapareciam os portos, os portinhos, as poças e piscinas e todos os caminhos abertos até ao oceano, onde hoje tomamos lentos e uterinos banhos de mar. Imagine os Açores de novo ilhas selvagens cobertas de espessa floresta Laurissilva, explodindo em erupções vulcânicas. É difícil, hoje, imaginar os Açores sem a mão humana. Imaginar as ilhas sem quinhentos anos de esforço, ambição, engenho e necessidade do Homem, na construção de uma possível comunhão com a Terra e o Mar. Claro que houve erros, atropelos e exageros. Mas, quando hoje todos falam de turismo e de preservação, poucos parecem querer aceitar que o nosso maior, e mais valioso, Património é o dessa História de construção com e na Natureza, que fazem dos Açores aquilo que hoje verdadeiramente são. E é o legado dessa História que temos a obrigação de preservar…
in Açoriano Oriental
Imagine o leitor que não havia hortênsias, azáleas, beladonas, na berma da estrada. Extinguiam-se as longas e perfumadas escarpas de conteiras. As misteriosas matas de criptoméria. Imagine que não havia muros de pedra seca tecendo as montanhas com laboriosas esquadrias. Que se evaporavam as vacas. Desapareciam os portos, os portinhos, as poças e piscinas e todos os caminhos abertos até ao oceano, onde hoje tomamos lentos e uterinos banhos de mar. Imagine os Açores de novo ilhas selvagens cobertas de espessa floresta Laurissilva, explodindo em erupções vulcânicas. É difícil, hoje, imaginar os Açores sem a mão humana. Imaginar as ilhas sem quinhentos anos de esforço, ambição, engenho e necessidade do Homem, na construção de uma possível comunhão com a Terra e o Mar. Claro que houve erros, atropelos e exageros. Mas, quando hoje todos falam de turismo e de preservação, poucos parecem querer aceitar que o nosso maior, e mais valioso, Património é o dessa História de construção com e na Natureza, que fazem dos Açores aquilo que hoje verdadeiramente são. E é o legado dessa História que temos a obrigação de preservar…
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 16 de agosto de 2018
Café Royal LXXXV
Vulnerabilidade
Steve
Bannon, espécie de Maquiavel de Donald Trump, criou um movimento pan-europeu de
apoio aos partidos populistas, tendo na mira as eleições para o Parlamento
Europeu. O objectivo é ter deputados suficientes para, como um “cavalo de Troia”
político, destruir por dentro o ideal europeu – uma comunidade de estados e
nações unidos, em prosperidade económica, no respeito fundamental pelos direitos
humanos e pelos valores da liberdade. A maior vulnerabilidade
da Democracia está, precisamente, na defesa da Liberdade face aos ataques dos
demagogos, que se alimentam da ignorância e do desespero dos cidadãos, como um
incêndio de gasolina. O organizador da afamada Web Summit convidou Marine Le Pen
para oradora e defende o seu convite com a “liberdade de expressão”. Hoje, mais
de 100 diferentes jornais americanos, numa iniciativa organizada pelo BostonGlobe, publicam editoriais e artigos de opinião defendendo a imprensa livre e
acusando Trump de, ativamente, tentar destruir a credibilidade da imprensa e
com ela o pluralismo democrático. Não há Democracia sem Liberdade, mas a
Liberdade não pode (nunca!) ser posta ao serviço dos seus piores inimigos!
in Açoriano Oriental
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 9 de agosto de 2018
Café Royal LXXXIV
Boli
É um dos mais célebres e
bem conseguidos sketches dos saudosos Gato Fedorento. Ricardo Araújo Pereira a
fazer de Professor Marcelo durante a primeira campanha para a despenalização do
aborto. Sou a favor, mas sou contra. Pode, mas não pode. É, mas não
é…ridicularizando os posicionamentos dúbios de Marcelo, que se esforçava (ainda
hoje) por estar sempre bem com Deus e com o Diabo. Ora, o momento eleitoral
interno do PSD Açores teve, ontem, o seu primeiro episódio Gato Fedorento. José
Manuel Bolieiro, que havia sido apresentado como apoiante de Nascimento Cabral
e futuro coordenador de um dito Conselho Consultivo, veio depois dizer,
atabalhoadamente, que, afinal, é equidistante. Concorda e está disponível, mas
não o faz, nem fará. Espera que todo o processo eleitoral do PSD se paute pela
elevação, mas é o primeiro a dar uma canelada na candidatura de Nascimento
Cabral e não sem deixar implícito que ele próprio é putativo candidato a
candidato, mas só quando a maçã socialista já estiver podre no chão. Para já,
Boli, como é popularmente conhecido, deixa-se estar confortavelmente
refastelado num casulo de seda branca. Marcelo não faria melhor!
quinta-feira, 2 de agosto de 2018
Café Royal LXXXIII
Silly
De acordo com o Oxford
English Dictionary silly é ter ou
demonstrar falta de senso comum ou de juízo. Um termo relacionado é foolish que em português se pode
traduzir como tolo. A utilização mais notória da expressão silly é a que a associa ao Verão, a célebre “silly season” ou “estação tolinha”. A origem da expressão remonta à
Inglaterra de meios do seculo XIX quando, no Verão, os trabalhos do Parlamento
entravam em pausa, levando a que os jornais tivessem menos matéria noticiosa e
as páginas dos periódicos fossem atafulhadas com coisas tontas. Para os que,
como eu, um pouco masoquistamente, gostam de ler jornais e de seguir as
notícias ao longo do ano, nesta era das “fake
news”, dos memes do Facebook, do Twitter e de todo esse enorme rol de parvoíces
que ocupam as manchetes de todos os dias, não pode deixar de nos açoitar uma
estranha e pesarosa sensação de que, nos dias que correm, a “estação tolinha” já
não é uma maleita só dos meses quentes, mas uma doença crónica, que se estende
pelo ano todo, como se a vida e o espaço público estivessem governados pela estupidez…
quinta-feira, 26 de julho de 2018
Café Royal LXXXII
Os Ciclos
Uma das mais importantes regras, não escritas, da política regional é a de que os partidos da oposição não ganham eleições, são os partidos do poder que as perdem. Carlos César não ganhou as eleições por ser um grande político, mas porque os eleitores estavam fartos do PSD. A saída astuciosa de Mota Amaral apenas precipitou essa sensação de enfado, de azia, que as pessoas sentiam por um partido que minava a máquina do Estado e corrompia a própria estrutura da governação. Hoje, vivemos tempos perigosamente parecidos. Ao cabo de mais de vinte anos de poder, o PS contaminou, também, o edifício governativo da Região. Os escândalos sucedem-se, a arrogância de alguns políticos é notória, há uma sensação de fim de ciclo no ar. Quase de certeza será o futuro da SATA que ditará a sina do PS. Sentindo isto, o PSD movimenta-se. Duarte Freitas sai, dizendo que por razões pessoais, como se as políticas não existissem. Entram Nascimento Cabral e Gaudêncio. Um por convicção o outro por empurrão. As próximas eleições regionais serão disputadas no terreno da verdade e de um desígnio para os Açores. Vasco Cordeiro tem dois anos para não as perder…
in Açoriano Oriental
Uma das mais importantes regras, não escritas, da política regional é a de que os partidos da oposição não ganham eleições, são os partidos do poder que as perdem. Carlos César não ganhou as eleições por ser um grande político, mas porque os eleitores estavam fartos do PSD. A saída astuciosa de Mota Amaral apenas precipitou essa sensação de enfado, de azia, que as pessoas sentiam por um partido que minava a máquina do Estado e corrompia a própria estrutura da governação. Hoje, vivemos tempos perigosamente parecidos. Ao cabo de mais de vinte anos de poder, o PS contaminou, também, o edifício governativo da Região. Os escândalos sucedem-se, a arrogância de alguns políticos é notória, há uma sensação de fim de ciclo no ar. Quase de certeza será o futuro da SATA que ditará a sina do PS. Sentindo isto, o PSD movimenta-se. Duarte Freitas sai, dizendo que por razões pessoais, como se as políticas não existissem. Entram Nascimento Cabral e Gaudêncio. Um por convicção o outro por empurrão. As próximas eleições regionais serão disputadas no terreno da verdade e de um desígnio para os Açores. Vasco Cordeiro tem dois anos para não as perder…
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 19 de julho de 2018
Café Royal LXXXI
Sociedade
Criar a SATA foi um gesto
de enorme audácia. Um pequeno grupo de empresários, firmes na ideia de uns Açores
centrais no Atlântico, imaginou a companhia como um instrumento ao serviço da
região. A designação Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos não foi uma
imposição burocrática, foi uma opção consciente dos seus fundadores, afirmando,
desde logo, o papel fundamental da empresa, que seria mais do que uma mera
companhia de transporte aéreo, mas sim um veículo ao serviço do desenvolvimento
da sociedade açoriana. A politização/partidarização da companhia, desde 1980, e
consequente quebra desse desígnio, levou ao estado moribundo em que esta se
encontra. A SATA é hoje um desastre financeiro, operacional, laboral e político.
É, por isso, obrigação do Governo Regional agir de forma afirmativa e
transparente na resolução destes problemas em prol da salvação da empresa.
Desenhar e cumprir um plano de saneamento financeiro. Dar a gestão operacional
da empresa a verdadeiros especialistas em aviação. Negociar um acordo de
empresa que inclua os trabalhadores na defesa da mesma. Clonar presidentes, ao
sábado de manhã, numa política de mais do mesmo, não é certamente uma solução…
sábado, 14 de julho de 2018
Mix Tape 2
Track 2 -
The
Summerhouse
As memórias que guardamos da infância são evanescentes, como
sonhos, como bolas de sabão levitando pelo ar. Mas, de todas, talvez as mais
impressivas sejam as dos verões. Os verões de criança feitos invariavelmente de
mar, de areia da praia e dos ramos das árvores do jardim que trepamos. Aqueles
infindáveis verões, meses corridos, de junho a setembro, feitos da mais pura
liberdade, inconsciência e infância. Os verões em que corríamos descalços pelas
pedras, negras, quentes e pontiagudas. Dávamos mergulhos na água fria.
Apanhávamos escaldões e erámos tão absolutamente descomprometidos como o ritmo
da espuma das ondas que se abatia, em sons, nas pedras durante a noite,
entrecortada de quando em vez pelo vôo tonitruante dos cagarros. Talvez a
canção que melhor resume esse sentimento de mágico encantamento das férias de
verão seja The Summerhouse. Oitavo tema do terceiro álbum da banda The DivineComedy. “Do you remember / The way it used to be / June
to September / In a cottage by the sea […] Distant cousins, local kids / We
climbed every tree together / And it never ever rained / 'Til we climbed back
on the train / That would take us so far away / From the village and the bay /
And the summerhouse / Where we found new games to play […] Do you remember /
Sunday lunch on the lawn / Daring escapes at midnight / And costumeless bathes
at dawn. […] You were only nine years old / And I was barely ten / It's kind of
weird to be back here again / Do you remember / The summerhouse...?” Promenade foi lançado pela
editora de culto Setanta, em 1994, tinha eu vinte anos e estava a meio de uma
entediante licenciatura. 94 não era já o ano das guitarras, mais ou menos
alternativas, ou das excessivas rebeldias de um Nevermind dos Nirvana. 94 foi o
ano de Lisboa Capital da Cultura e da sensação de que tudo estava ao nosso
alcance, nada nos podia parar. Pode ser estranho que a melancólica música de
Neil Hannon e Joby Talbot, uma espécie de plágio Pop de Michael Nyman, se
adeque a essa sensação de invencibilidade pós-adolescente. Mas, para mim, nessa
altura, era exactamente esse reconhecimento da perenidade das memórias dessa
infância, mais ou menos etérea que, não só se manifestava naquele disco, como
nos permitia abraçar o futuro, como se de um mergulho nas tranquilas águas dos
verões passados na meninice se tratasse.
Em escuta: The Divine Comedy - Promenade
quinta-feira, 12 de julho de 2018
Café Royal LXXX
Compaixão
Durante duas semanas o
mundo parou, numa comoção global pelo dramático enredo dos 12 rapazes, mais o
seu treinador de 25 anos e ex-monge budista, encurralados numa gruta na Tailândia.
Assistimos, no nosso remanso, a intermináveis directos televisivos, ouvimos
especialistas em várias ciências e técnicas, desde espeleologistas, a
mergulhadores e psicólogos, observamos cuidadosamente as infografias da gruta
de Tham Luang, escutamos atentamente as conferências de imprensa do governador
da província de Chang Rai, Narongsak Osatanakorn, com o seu boné azul, lenço
amarelo e sorriso desconcertante. E o mundo foi tomado por uma onda de profunda
compaixão por aquele grupo de miúdos. Compaixão é o acto de partilhar ou entender
o sofrimento ou a dor de outra pessoa. Guiados pelas televisões de todo o mundo,
desde a CMTV à CNN, foi esse o sentimento que partilhamos por aquele
desafortunado conjunto de jovens, finalmente salvos para gáudio generalizado do
mundo dito civilizado. Talvez agora as câmaras, e a nossa compaixão, se possam
virar para os milhares de seres humanos que todos os dias encaram a morte,
flutuando à deriva, no mar mediterrâneo…
quinta-feira, 5 de julho de 2018
Café Royal LXXIX
DN
Desde há décadas que se tem
vindo a escrever o obituário da imprensa escrita. Hoje, na ditadura do digital
e em que os nossos estilos de vida assoberbados nos levam a um alheamento da sociedade,
o papel primordial do jornalismo, e dos jornais, como comunicador e, muitas
vezes, mediador da vida em comunidade, foi-se gradualmente perdendo. Esta degradação
da imprensa escrita é mais um sintoma da decadência das nossas democracias. Os
jornais são areópagos da pluralidade e do debate livre de ideias. A sua morte,
ou a sua “adaptação”, como eufemisticamente usam dizer por estes dias os
patrões da imprensa, devia pesar sobre o nosso pensamento, como um alerta sobre
o tipo de mundo que estamos a construir. Na dualidade entre passado e futuro, o
nosso papel, enquanto civilização, é garantir que o que de melhor existiu no
passado possa ser transportado para o futuro. A capitulação do Diário de Notícias ao mundo virtual, à banalidade do dedo que faz apagar para baixo no
ecrã, é apenas mais um passo em direcção a um lugar sem tempo e onde tudo é,
apenas, momentâneo…
quinta-feira, 28 de junho de 2018
Café Royal LXXVIII
Machico
Se nomearmos Machico, freguesia
da costa nordeste da ilha da Madeira, todos, ou quase todos, se lembrarão de
Cristiano Ronaldo. Depois lembrar-se-ão vagamente da injusta fama dessa que é conhecida
como uma das freguesias mais pobres da ilha e do país. Mas, como pode ser pobre
uma terra que deu, que dá, a Portugal dois dos seus maiores expoentes vivos?
Dois? D. José Tolentino de Mendonça, nascido há 53 anos nessa mesma freguesia,
foi nomeado esta semana arquivista do Arquivo Secreto do Vaticano e
bibliotecário da Biblioteca Apostólica. Simplesmente um dos mais importantes e
significativos cargos da Igreja Católica e, mais importante ainda, guardião da
chave para aquele que é certamente o maior e mais completo cofre de segredos, sabedoria,
conhecimento e cultura de toda a Humanidade. A biblioteca do Vaticano,
oficialmente criada em 1450 pelo Papa Nicolau V, guarda no seu interior
milhares de códices e incunábulos, remontando aos primórdios da fé cristã e acompanhando
a História do Saber (ou da Verdade enquanto sentido da Vida…) até aos nossos
dias. Não desmerecendo CR7... mas, parabéns ao poeta Tolentino de Mendonça.
quinta-feira, 21 de junho de 2018
Café Royal LXXVII
A desumanização
Após a chegada aos
campos, transportadas, aos milhares, em vagões de gado, as pessoas eram
separadas em duas filas, homens e mulheres. Eram depois inspecionados por
médicos. Todos os maiores de 14 anos, considerados aptos para “trabalhar”, eram
postos de um lado. Os restantes iam para as câmaras de gás. Em “Sophie’s Choice”, filme de Alan J.
Pakula, este drama de separação e morte, de animalesca desumanização do Ser, é
individualizado de forma pungente por Meryl Streep, Sophie, uma emigrante
polaca na América do pós-guerra, que carrega permanentemente dentro de si a
insuperável culpa da sua escolha. Ao chegar a Auschiwtz, Sophie é forçada pelos
SS a escolher qual dos seus dois filhos irá morrer e qual irá “viver”. Setenta
anos depois, assistimos, com pasmo e pavor, a barcos com migrantes a serem
impedidos de atracar em portos europeus, ao recenseamento e expulsão de
minorias ciganas, e a crianças a serem separadas dos pais na fronteira dos EUA.
Uma reprodução insana e incompreensível da bárbara desumanização a que
assistimos no passado e que nos coloca perigosamente próximos desse horror
absoluto que creríamos irrepetível.
quinta-feira, 14 de junho de 2018
Café Royal LXXVI
El Dorado
Recentemente, e bem, o Governo
dos Açores declarou querer reclamar para si uma mais ampla intervenção na
gestão do Mar, ciente certamente do enorme poder que os recursos marinhos representam.
Só que, como diz o velho aforismo, “com
grande poder vem grande responsabilidade”. De todos os recursos à
disposição no oceano, aquele que desperta maior cobiça é a mineração profunda,
uma indústria tão futurista que os seus reais impactos, tanto no meio ambiente
como na sociedade, são, ainda, em larga medida, uma incógnita. Quando o Governo
Regional exclama que quer governar o Mar tem a obrigação de, ao mesmo tempo,
dizer claramente como e para quê. Exige-se um debate transparente sobre que
intenções existem nesta matéria e uma rigorosa avaliação dos seus impactos. Seja
nos ecossistemas. Na migração dos grandes cetáceos. No tipo de infraestruturas de
apoio que são necessárias em terra. Ou, quais os seus impactos, por exemplo, no
Turismo? Olhar para o azul do mar como uma espécie de El Dorado é correr o
risco de nos afogarmos numa nova febre do ouro…
sábado, 9 de junho de 2018
Mix Tape 1
Track 1 – Intro
Em criança todos construímos castelos, nem que sejam
imaginários. No quarto, com almofadas e cobertores, rearranjando os moveis,
construímos fortes para batalhas épicas e palácios com príncipes e princesas.
Nos jardins, com ramos e folhas e canas, erguemos cabanas, westerns sonhados de
índios e cowboys. Frágeis, mas magníficos, teatros de sonhos. Ao longo da vida,
a criação do gosto, é um pouco como esses castelos. Uma arquitectura de
memórias. Com o passar dos anos vamos construindo uma enorme Torre de Babel
interior de referências, vivências, momentos. Catalogando cada um com uma
determinada banda sonora. Como o desenhar de um mapa, traçando as diferentes
latitudes e longitudes da vida. Azimutes e esquadrias. São assim os meus
castelos, um caleidoscópio de gostos, que se desenham numa argamassa, mais ou
menos caótica de géneros, de sul para norte, este para oeste, um planisfério
sentimental de lembranças, que vão de Guns N’ Roses a Stone Roses, de Camané a
Kronos Quartet. Numa navegação sentimental através do oceano dos sons, imenso
corpo de água, pontilhado de ilhas míticas, apenas alcançáveis pela leitura das
estrelas. Há vinte anos atrás, naquele que foi um dos dois momentos mais
importantes da minha vida até hoje, passei longos meses a viajar sozinho na
Califórnia e no México. De mochila e pranchas às costas e com um Discman Sony e
um estojo de CD’s. Se fechar os olhos ainda consigo sentir o balançar ritmado
dos autocarros, nas longas travessias noturnas entre misteriosas cidades
mexicanas e vejo, nitidamente, como estrelas na noite, os cd’s dentro desse
estojo: Tarantula dos Ride; o primeiro álbum dos Stone Roses; Grace do JeffBuckley; Sketches of Spain de Miles Davis; Five Tango Sensations de AstorPiazzolla e Kronos Quartet; Chet Baker Sings. E outros, que formam as paredes dessa
construção elíptica, espécie de confluência entre as escadas de Escher e a
infinita biblioteca de Borges, que é a recordação dessa viagem, ou que é,
afinal, a solidificação mental dessa experiência em tudo o que ela teve de
concretização e consubstanciação de todo o meu percurso de vida e que fica,
para sempre, marcado por essa colecção de sons. Mas a construção do gosto é,
também, uma construção de relações humanas, de emoções, de paixões. Gestos
puros e iniciais, como a oferta materna dessa viagem, como forma de libertação
individual, ou a partilha, entre um pai e um filho, do gosto pela boa música e
do que ela representa enquanto experiência verdadeira da natureza do belo e da
sua importância basilar na vida.
quinta-feira, 7 de junho de 2018
Café Royal LXXV
A doença
O fim era tão
inexoravelmente previsível que quando a notícia surge a gordas já não provoca
espanto. “SINAGA vai ser arrasada e
espaço deverá ser loteado” dizia a manchete. Os Açores sofrem, desde
sempre, de uma doença crónica: a “síndrome do desenvolvimento sustentável”.
Todos os estudos são unânimes em apontar a diversificação, a especialização e
produtos de valor acrescentado como o único caminho a seguir. E estas
“guidelines” são válidas para todos os sectores. Seja no Turismo, na
Agricultura, na Ciência ou na Cultura. Mas, o que o fim dantesco da saga da
SINAGA vem provar é que a Região, como um todo, não é capaz de seguir nenhuma
delas. Não soubemos diversificar, não soubemos criar valor acrescentado e vamos
arrasar uma indústria histórica para construir uma urbanização incaracterística,
num gesto de completo e inadmissível desrespeito pelas pessoas, pela memória e,
acima de tudo, pelo Futuro. Citando Joni Mitchell, pavimentaram o paraíso e
construíram um parque de estacionamento. Provavelmente até terá uma rua com os nomes
dos responsáveis por esta política em que tudo é descartável…
quinta-feira, 31 de maio de 2018
Café Royal LXXIV
Da Dignidade
Nos últimos dias muito se
falou de dignidade da pessoa humana, reduzindo-a, estupidamente, à fronteira da
morte, como se esta fosse um instante singular no percurso da vida. Legislar
sobre a liberdade de escolha pela eutanásia, tal como pelo aborto, não pode ser
o mesmo que decretar sobre o valor das assinaturas de arquitectos e engenheiros.
Aquilo que os partidos da Geringonça (menos o PCP e mais o Sr. do PAN…) tentaram
fazer, numa questão essencial, de liberdade individual do cidadão - decidir
sobre a sua própria morte - foi em todos os sentidos indigno porque
absolutamente antidemocrático. A pequena golpada de querer fazer passar uma lei
fundamental sem aviso, sem escrutínio popular e sem o debate público de um
referendo, apenas teve como resultado a morte deste assunto no futuro próximo. As
democracias deviam ser lugares de respeito, de dignidade, entre eleitos e
eleitores. Querendo decidir sozinhos, sem um debate esclarecido e alargado, os
partidos “eutanasiaram” a eutanásia… É pena, porque este assunto merecia ser
tratado com a mesma dignidade que se pretendia dar ao terminar da vida.
quinta-feira, 24 de maio de 2018
Café Royal LXXIII
Os Americanos
É uma célebre cena de
Zeca Medeiros, a brilhante Maria Bifa, a Gilda do Baixio, cambaleando as vielas
de Vila Franca, gritando ao escuro a medo “véim
aí os rússes!”. Não deixa de ser irónico que agora não seja já esse sonho
feito barco de alcançar a América e sejam os americanos a aterrar ilha dentro.
E já se ouvem políticos e empresários a vociferar “véim aí os amaricanes!”. Quais naus das índias carregadas de ouro.
Mas o que vem nestes aviões são rabos em cadeiras, como se diz no jargão do
turismo. Pessoas, com gostos e vontades, diferentes dos Europeus, habituadas a
viajar e que procuram diversidade e qualidade. Será que estamos preparados? Nas
redes sociais vendemo-nos com um inglês pior que do tradutor do Google. Não temos
formação. A época-alta vai ser passada em obras. E até as praias vão estar sem
nadadores salvadores até meados de Junho. Os responsáveis dirão que se fez tudo,
que não há dinheiro, e amanhã lá estarão, na porta do aeroporto, a oferecer
rosas ao som de folclore. Não há nem dinheiro nem qualificação, mas há
bailinhos. Será que isso chega para os americanos?
quinta-feira, 17 de maio de 2018
Café Royal LXXII
Açores?
O mais profundo falhanço
da autonomia regional mais, até, que a criação de um modelo de desenvolvimento
sustentável é o falhanço da ideia arquipelágica. Nenhum governo, nenhum partido
político, conseguiu dar Açores às nove ilhas do arquipélago. As ilhas vivem
desirmanadas, conflituadas entre si, constantemente em birras e ciúmes. E hoje,
mais do que nunca, essa inveja agudiza-se. O Pico quer um avião igual aos de
São Miguel. O Faial quer uma pista (que todos sabem ser inviável, mas que
cinicamente querem ver construída pelos dinheiros da República, no que seria um
dos maiores crimes financeiros e ambientais alguma vez visto na região…) onde
não haverá aviões. A Terceira quer portos onde não atracarão barcos. E todos,
do Corvo a Santa Maria, querem ser como Ponta Delgada que, coitada, não sabe
bem o que quer ser. A tão apregoada Autonomia Regional não é mais do que uma
expressão vazia para uso da retórica política, porque a nossa realidade hoje é
a de nove calhaus isolados, de costas voltadas uns para os outros, chorando as
mágoas e as dores da inveja alheia. Açores? Isso não existe!
quinta-feira, 10 de maio de 2018
Café Royal LXXI
Higienizar…
“Cortem-lhe a cabeça!” grita a Rainha de Copas ao ver Alice. Esta semana o PS teve o seu momento Rainha de Copas. Pela voz de César, o partido mandou cortar a cabeça a Sócrates. Para além do – porquê agora?, há outro aspecto deste volte-face que importa relevar. Os partidos são feitos por pessoas, mas não se podem confundir com elas. Nem se deve sancionar todo um partido pelas as acções deste ou daquele militante ou dirigente. Mas, as acções dos políticos podem e devem sofrer o nosso julgamento moral e, acima de tudo, a autocrítica dos próprios partidos. Porém, pretender isolar, de forma cínica, a corrupção toda em Sócrates é esconder o sol com a peneira perante aquele que é hoje o maior problema da nossa democracia: a captura de grande parte do sistema político-partidário por interesses corruptos. Os partidos são, ou deveriam ser, esteios ideológicos e éticos da democracia. Cabe, por isso, ao PS, e a todos os outros partidos, expurgarem-se deste mal, reinstituindo valores éticos e ideológicos na sua acção e higienizando a classe política. Não chega cortar, apenas, uma cabeça…
in Açoriano Oriental
“Cortem-lhe a cabeça!” grita a Rainha de Copas ao ver Alice. Esta semana o PS teve o seu momento Rainha de Copas. Pela voz de César, o partido mandou cortar a cabeça a Sócrates. Para além do – porquê agora?, há outro aspecto deste volte-face que importa relevar. Os partidos são feitos por pessoas, mas não se podem confundir com elas. Nem se deve sancionar todo um partido pelas as acções deste ou daquele militante ou dirigente. Mas, as acções dos políticos podem e devem sofrer o nosso julgamento moral e, acima de tudo, a autocrítica dos próprios partidos. Porém, pretender isolar, de forma cínica, a corrupção toda em Sócrates é esconder o sol com a peneira perante aquele que é hoje o maior problema da nossa democracia: a captura de grande parte do sistema político-partidário por interesses corruptos. Os partidos são, ou deveriam ser, esteios ideológicos e éticos da democracia. Cabe, por isso, ao PS, e a todos os outros partidos, expurgarem-se deste mal, reinstituindo valores éticos e ideológicos na sua acção e higienizando a classe política. Não chega cortar, apenas, uma cabeça…
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 3 de maio de 2018
Café Royal LXX
Accountability
Peço desculpa ao leitor
pela utilização, não só de um palavrão, mas de um palavrão em inglês. Mas, a
verdade é que não existe, na nossa língua, um termo com a abrangência de
significado deste. E esse facto é, em si mesmo, paradigmático da nossa cultura
e da nossa postura enquanto sociedade, principalmente nos tempos que correm. Accountability é a obrigação que os
indivíduos e as organizações têm de prestar contas de forma transparente e de
assumir responsabilidade pelos seus actos perante a comunidade, principalmente
em questões que tem a ver com o bem público. Nos últimos vinte, trinta anos a
democracia portuguesa foi assaltada por grupos de interesses que espoliaram
desavergonhadamente o país. Embora caiba, obviamente, à Justiça o papel,
fundamental, de repor a justiça, há uma outra responsabilidade de accountability que, se não for
voluntariamente exercida pelos diferentes agentes políticos, económicos,
financeiros, etc., deve ser firmemente exigida pelos cidadãos. A falha em
perceber isto é o primeiro pingo de ácido sulfúrico que acabará por corroer,
por completo, a nossa pueril democracia.
quinta-feira, 26 de abril de 2018
Café Royal LXIX
Sempre!
44 anos depois do 25 de Abril que país somos hoje? Que nação é esta? Olhando a espuma dos dias vemos um país desigual, pobre, desertificado, minado, no seu mais profundo âmago, pela corrupção que tudo contamina e que se metastisa infinitamente, dominado pela ditadura da partidocracia, onde grassa o nepotismo e a falta de vergonha. O sonho de Abril, tirando as conquistas da democracia e da descolonização, falhou em larga medida. E falhou no que era mais importante: na capacidade de construir e desenvolver um país solidário. Dos famosos três D’s desenhados por Medeiros Ferreira é esse o que falta. Nem mesmo a Liberdade é hoje um valor activo numa sociedade cada vez mais subsídio-dependente e com uma democracia imberbe. Urge cumprir, enfim, o terceiro D de Abril – Desenvolver. Mas antes é imperioso moralizar o país. Moralizar o exercício da actividade política, moralizar a justiça, a finança, a economia, a comunicação social, a vida associativa e, até mesmo, o futebol. Só então poderemos celebrar e honrar Abril, sempre!
in Açoriano Oriental
44 anos depois do 25 de Abril que país somos hoje? Que nação é esta? Olhando a espuma dos dias vemos um país desigual, pobre, desertificado, minado, no seu mais profundo âmago, pela corrupção que tudo contamina e que se metastisa infinitamente, dominado pela ditadura da partidocracia, onde grassa o nepotismo e a falta de vergonha. O sonho de Abril, tirando as conquistas da democracia e da descolonização, falhou em larga medida. E falhou no que era mais importante: na capacidade de construir e desenvolver um país solidário. Dos famosos três D’s desenhados por Medeiros Ferreira é esse o que falta. Nem mesmo a Liberdade é hoje um valor activo numa sociedade cada vez mais subsídio-dependente e com uma democracia imberbe. Urge cumprir, enfim, o terceiro D de Abril – Desenvolver. Mas antes é imperioso moralizar o país. Moralizar o exercício da actividade política, moralizar a justiça, a finança, a economia, a comunicação social, a vida associativa e, até mesmo, o futebol. Só então poderemos celebrar e honrar Abril, sempre!
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 19 de abril de 2018
Café Royal LXVIII
€609,00
É o valor do salário
mínimo nos Açores. Fixem o número. Esta semana soubemos que, para além dos seus
salários brutos e ajudas de custo, os nossos deputados eleitos recebem ainda
abonos para deslocações e trabalho político, entre outras regalias do cargo. No
caso das regiões autónomas, o valor pago por viagem semanal às ilhas é de
500,00€ e, não satisfeitos, os 5 deputados açorianos (não acredito que sejam só
os 3 do PS), vão, de cartão de embarque em punho ao guichet dos CTT pedir o seu
reembolsosinho. Bem feitas as contas, cada um leva na carteira mais 1500,00€
limpos por mês, isto no pressuposto que vêm matar saudades uma vez por semana.
Tudo isto pode ser legal, mas é ética e moralmente inaceitável e é só mais uma
demonstração de como os deputados são uma casta na nossa sociedade. Podem chamar-me
de populista, mas num país onde o salário médio são 864,00€, em que o salário
mínimo é o que é, e onde qualquer trabalhador que viaje em serviço, seja no público
ou no privado, devolve o reembolso à sua entidade patronal, esta maroscasinha
dos nossos 5 eleitos é fétida…
quinta-feira, 12 de abril de 2018
Café Royal LXVII
Quando tudo arde
Foram chumbados, no
Conselho de Segurança da ONU, em Nova York, dois pedidos de uma investigação
independente ao, mais que certo, ataque com armas químicas perpetrado pelo
regime sírio de Bashar al-Assad. O chumbo deveu-se aos duplos vetos da Rússia e
dos EUA relativamente às propostas apresentadas pelos próprios, cada um vetou a
do outro num passe típico do jogo diplomático. Como é habitual, foi através do
Twitter que Trump comentou o chumbo. Em 140 caracteres anunciou a chegada de
misseis, adjetivando-os de inteligentes, novos e (pasme-se!) simpáticos, os
misseis! Representantes Russos e Iranianos já responderam que responderão a
qualquer intervenção Ocidental na Síria e, enquanto escrevo, as autoridades
aeronáuticas europeias emitiram um aviso à aviação comercial para as
consequências de eventuais bombardeamentos no mediterrâneo oriental. O conflito
Sírio, que dura já há oito anos, parece transformar-se, assim, de um conflito local
com interesses internacionais num verdadeiro conflito à escala mundial. Numa imprudência
a todos os níveis reprovável, os líderes das maiores potencias mundiais
entretêm-se a decidir sobre os destinos do mundo preocupados apenas com a sua
política interna. É caso para lembrar Sá de Miranda e questionar: “que farei quando tudo arde?”.
quinta-feira, 5 de abril de 2018
Café Royal LXVI
Prioridades
Num rápido olhar pelo site
da Assembleia da República descobrimos que os nossos deputados andam ocupados com
assuntos tão atraentes como: animais de companhia em estabelecimentos comerciais;
limites territoriais das freguesias de Aves e Lordelo; regime jurídico da
conversão de créditos em capital; ou, a já famosa, sétima alteração à Lei n.º 19/2003
de 20 de Junho (vulgo, financiamento dos partidos…). Quanto a petições, deram
entrada na Assembleia, pedidos tão extraordinários como estes: Reconhecimento
das edições do Campeonato de Portugal realizadas entre 1922 e 1938; ou, Criação
de Dia Nacional do Hóquei em Patins. Este pequeno resumo diz-nos muito sobre a
nossa democracia e sobre nós próprios. Um tema como a presunção jurídica da
residência alternada para filhos de pais separados ou divorciados, não mereceu
dos deputados qualquer interesse e uma petição sobre o tema
(igualdadeparental.org/peticao) conta, actualmente, com apenas cerca de 2800
assinaturas, muito abaixo dos 4470 portugueses que querem ver reconhecidas as
edições dos campeonatos de futebol de 1922 a 1938… Por cá, esperamos ainda por notícias das
auditorias externas, anunciadas em Dezembro, a 6 entidades que têm contratos
avultados com o Governo Regional e que deviam ter sido iniciadas até ao final
de Março deste ano…. É tudo uma questão de prioridades…
sexta-feira, 30 de março de 2018
Café Royal LXV
6’17’’
A imagem é brutal e ficará como uma das imagens do nosso tempo. Uma jovem rapariga, cabelo rapado, em silêncio, em lágrimas, depois de citar os nomes das vitimas um a um, ousando impelir toda uma multidão a pensar o significado de 17 vidas perdidas em seis minutos e dezassete segundos. Perante tal imagem, podemos optar por olhar para a tragédia de Parkland, como apenas mais um lamentável episódio, na já longa série de tiroteios em massa a que os E.U.A. já nos acostumaram. Podemos achar que não nos toca. Alyssa Alhadeff, 14. Scott Beigel, 35. Martin Duque, 14. Peter Wang, 15… estas são apenas 4 das 17 mortes desse massacre. Mas, se olharmos para as mais de 100 pessoas que morreram só em 2017 em consequência dos fogos florestais em Portugal e lhes imaginarmos os nomes e as idades: Pedro, 35. Ana, 4. Maria, 70. Zé, 40; talvez a morte não seja tão distante. Talvez a tragédia seja mais nossa. Nos E.U.A., este triste acontecimento levou à mobilização de uma geração inteira em torno de uma causa civilizacional que, certamente, não deixará a América igual daqui para a frente. Em Portugal, na nossa tragédia, discutimos relatórios mais ou menos técnicos e reduzimos a responsabilidade política a acções de marketing, com políticos de enxada na mão a fingirem que limpam matas…
in Açoriano Oriental
A imagem é brutal e ficará como uma das imagens do nosso tempo. Uma jovem rapariga, cabelo rapado, em silêncio, em lágrimas, depois de citar os nomes das vitimas um a um, ousando impelir toda uma multidão a pensar o significado de 17 vidas perdidas em seis minutos e dezassete segundos. Perante tal imagem, podemos optar por olhar para a tragédia de Parkland, como apenas mais um lamentável episódio, na já longa série de tiroteios em massa a que os E.U.A. já nos acostumaram. Podemos achar que não nos toca. Alyssa Alhadeff, 14. Scott Beigel, 35. Martin Duque, 14. Peter Wang, 15… estas são apenas 4 das 17 mortes desse massacre. Mas, se olharmos para as mais de 100 pessoas que morreram só em 2017 em consequência dos fogos florestais em Portugal e lhes imaginarmos os nomes e as idades: Pedro, 35. Ana, 4. Maria, 70. Zé, 40; talvez a morte não seja tão distante. Talvez a tragédia seja mais nossa. Nos E.U.A., este triste acontecimento levou à mobilização de uma geração inteira em torno de uma causa civilizacional que, certamente, não deixará a América igual daqui para a frente. Em Portugal, na nossa tragédia, discutimos relatórios mais ou menos técnicos e reduzimos a responsabilidade política a acções de marketing, com políticos de enxada na mão a fingirem que limpam matas…
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 22 de março de 2018
Café Royal LXIV
Sobre escolhas
A História está atulhada
de casos em que ditadores são eleitos por via democrática. Talvez o mais famoso
de todos seja o da eleição livre que fez do Partido Nazi o mais votado do
Reichtag alemão em 1933 e a subsequente nomeação de Hitler como Chanceler. Este
é, aliás, um caso de estudo sobre como por via do discurso e do contexto as “massas”
são manipuladas pelos políticos, condicionando-lhes as escolhas. A chave para
este problema está na capacidade de cada cidadão compreender e interpretar o
discurso político de forma a fazer escolhas educadas. Quanto mais cultas e
conscientes forem as pessoas, melhores serão as democracias. Após a eleição de
Trump tem sido amplamente debatida a influência da chamada “manipulação Russa”
e o papel das redes sociais no condicionamento emocional dos eleitores. O mais
recente episódio é a revelação de que uma empresa de análise de dados recolheu
e tratou abusivamente os perfis de 50 milhões de subscritores da rede social
Facebook para influenciar o resultado das eleições. O mais surpreendente neste
caso não é a manipulação em si, mas o facto de o ónus estar a ser colocado no
próprio Facebook. Culpar a rede social é o mesmo que culpar a impressora ou o
papel pelo conteúdo do Mein Kampf!
quinta-feira, 15 de março de 2018
Café Royal LXIII
O Mistério
Talvez o maior mistério de todos, mais até do que o da própria Vida, seja o Mistério da Fé. Essa concepção de algo que transcende a razão, que está para lá de nós, e se consubstancia em Deus podendo apenas por Ele ser revelado. A Fé, ao contrário da Vida, não é mensurável, não tem leis cientificas que a possam provar. A Fé é o dom de Deus, diz-nos a doutrina cristã. Mas é, também, e não paradoxalmente, Palavra, ensinamento. É interpretação, conhecimento e partilha da Palavra. A origem do cristianismo está no exemplo sacrifical de Jesus e construiu-se, ao longo de dois milénios, na sucessiva interpretação e partilha da sua Palavra. Na sua essência, todas as religiões, mas particularmente as religiões, ditas, do Livro, são suportadas por estes dois princípios fundamentais – Crença e Doutrina; Fé e Palavra. E é nas e pelas palavras que se torna palpável, por assim dizer, o Mistério de Deus. Para alguém que, como eu, vive em dialéctica entre um ateísmo moderado e um agnosticismo militante é exactamente nas e pelas palavras que se materializa a imanência do Dom, a revelação do Mistério. Seja nas palavras do Papa Francisco, que nos insta a olhar as pessoas ou nas de Stephen Hawking, que nos obrigou a nunca deixar de olhar as estrelas, porque, em boa verdade, “o que está em cima é como o que está em baixo” …
in Açoriano Oriental
Talvez o maior mistério de todos, mais até do que o da própria Vida, seja o Mistério da Fé. Essa concepção de algo que transcende a razão, que está para lá de nós, e se consubstancia em Deus podendo apenas por Ele ser revelado. A Fé, ao contrário da Vida, não é mensurável, não tem leis cientificas que a possam provar. A Fé é o dom de Deus, diz-nos a doutrina cristã. Mas é, também, e não paradoxalmente, Palavra, ensinamento. É interpretação, conhecimento e partilha da Palavra. A origem do cristianismo está no exemplo sacrifical de Jesus e construiu-se, ao longo de dois milénios, na sucessiva interpretação e partilha da sua Palavra. Na sua essência, todas as religiões, mas particularmente as religiões, ditas, do Livro, são suportadas por estes dois princípios fundamentais – Crença e Doutrina; Fé e Palavra. E é nas e pelas palavras que se torna palpável, por assim dizer, o Mistério de Deus. Para alguém que, como eu, vive em dialéctica entre um ateísmo moderado e um agnosticismo militante é exactamente nas e pelas palavras que se materializa a imanência do Dom, a revelação do Mistério. Seja nas palavras do Papa Francisco, que nos insta a olhar as pessoas ou nas de Stephen Hawking, que nos obrigou a nunca deixar de olhar as estrelas, porque, em boa verdade, “o que está em cima é como o que está em baixo” …
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 8 de março de 2018
Café Royal LXII
O Retrocesso
O discurso político é demasiadas vezes contaminado por índices, métricas, estatísticas e outro tipo de indicadores mais ou menos incompreensíveis. Esta infecção pelos números leva a que os políticos se esqueçam das ideias e, pior, das pessoas. Nos últimos tempos, os políticos açorianos, ocupados na discussão dos índices económicos, dos indicadores de pobreza ou na excitação das taxas de crescimento turístico, parecem ter esquecido o fundamental – as próprias ilhas. Se há questão imprescindível hoje para o desenvolvimento social e económico dos Açores é a afirmação de um ideário arquipelágico. Uma concepção das ilhas que as promova como um todo. Mas não como uma soma de 9 partes iguais, antes como um conjunto de 9 realidades distintas que, na sua coesão, geram um todo maior e mais completo. Um deputado em greve de fome por causa de uma cantina ou o forró de municípios na BTL são apenas alguns dos sinais desse grande retrocesso na política açoriana que é o fomentar de bairrismos, divisões e todo o tipo de sectarismos e reivindicações individuais, que por estes tempos crescem, como cogumelos, pelas ilhas. Urge reencontrar uma ideia de arquipélago, em que Angra é a cidade mais bonita, o Poço da Alagoinha ou a Lagoa do Fogo as imagens mais marcantes e a visão do Pico desde a baía da Horta a sua mais profunda experiência…
in Açoriano Oriental
O discurso político é demasiadas vezes contaminado por índices, métricas, estatísticas e outro tipo de indicadores mais ou menos incompreensíveis. Esta infecção pelos números leva a que os políticos se esqueçam das ideias e, pior, das pessoas. Nos últimos tempos, os políticos açorianos, ocupados na discussão dos índices económicos, dos indicadores de pobreza ou na excitação das taxas de crescimento turístico, parecem ter esquecido o fundamental – as próprias ilhas. Se há questão imprescindível hoje para o desenvolvimento social e económico dos Açores é a afirmação de um ideário arquipelágico. Uma concepção das ilhas que as promova como um todo. Mas não como uma soma de 9 partes iguais, antes como um conjunto de 9 realidades distintas que, na sua coesão, geram um todo maior e mais completo. Um deputado em greve de fome por causa de uma cantina ou o forró de municípios na BTL são apenas alguns dos sinais desse grande retrocesso na política açoriana que é o fomentar de bairrismos, divisões e todo o tipo de sectarismos e reivindicações individuais, que por estes tempos crescem, como cogumelos, pelas ilhas. Urge reencontrar uma ideia de arquipélago, em que Angra é a cidade mais bonita, o Poço da Alagoinha ou a Lagoa do Fogo as imagens mais marcantes e a visão do Pico desde a baía da Horta a sua mais profunda experiência…
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 1 de março de 2018
Café Royal LXI
Do eufemismo
O eufemismo é uma figura
de estilo utilizada para mascarar uma determinada ideia com outra mais suave. “Ir
para o céu” é, obviamente, um eufemismo para dissimular o facto de morrermos e sermos
enterrados. Na política, o eufemismo é uma forma de arte. Em conferência de
imprensa, o Presidente e Vice-presidente do governo anunciaram uma reforma do
sector público empresarial da região sob a forma de alienação, extinção e
desvinculação. Reforma é, claramente, um eufemismo. Mas, o que é importante
questionar é porque razão é o Partido Socialista que privatiza e extingue, sem
critérios claros, uma parte das empresas públicas da região, para, por um lado
engordar a mão do estado e, por outro, ofertar os anéis aos mercados? E, ainda
por cima, sem aviso prévio ou mandato, porque a verdade é que em nenhuma página
do seu programa eleitoral e de governo surgem as palavras alienar; internalizar
ou desvincular. Aliás, as palavras vender e extinguir apenas surgem na pág. 51
– “vender” melhor o peixe – e pág. 1
– “extinguir” o Ministro da República.
Mais, na pág. 16, o que o governo se propõe fazer é: “valorizar o exercício da função de acionista/proprietário da Região
através da melhoria dos mecanismos de controlo[…]”.
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018
Café Royal LX
Auto da Farsa
Acto 1. Cena 1. No palco ornamentado
do seu congresso de investidura, de mãos confiantes no ambão, um líder
partidário clama, aos céus, um “banho de
ética”. Ao mesmo tempo, por detrás do véu, selecciona para capatazes um
autarca, famoso por arregimentar militantes em descampados e prédios devolutos
e uma causídica, famosa por ser discípula da igreja do despautério populista,
que, e não de somenos, está a ser investigada por abuso discricionário de poder,
na adjudicação de prestações de serviços, numa instituição cujo primeiro étimo
é: Ordem. Em simultâneo, mas noutro local, um presidente de um clube desportivo,
depois de exigir, ditatorialmente, aos seus pares (ou serão súbditos?) uma
inqualificável unanimidade de apoio, tem o desplante de impor a censura aos
seus servos, espécie de Torquemada de balneário. Entretanto ainda, no mais
ocidental caldeirão da Europa, um parlamentar, eleito por um partido monárquico,
recorre à greve de fome para exigir comida quente para a mão cheia de utentes
de uma escola que é, literalmente, geminada das respectivas residências de cada
um dos presumíveis beneficiários. Não há qualquer ironia em tudo isto, não há humor,
nem sequer ridículo. Tudo isto está muito para lá de fado. Tudo isto é, tão
somente, triste…
*versão ligeiramente revista...
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018
Café Royal LIX
Sexo
Que me perdoem os leitores que vierem ao engano, mas esta não é uma crónica com bolinha vermelha. Esta é uma crónica sobre tolerância e respeito pela sexualidade, a nossa e a dos outros. O carnaval é a celebração dos excessos, por antítese aos jejuns da Quaresma, e está impregnado de sexualidade. Em Portugal, é comum as mulheres despirem-se e os homens vestirem-se… de mulheres. Esta aparente ambivalência sexual dos portugueses é extraordinária. Num país onde, na maioria dos casos, as mulheres são beatas e os homens são canastrões, no entrudo são subitamente acometidos por uma vontade interior de “sair do armário”. As mulheres, que levam a maior parte do ano a esconder o corpo, usam o carnaval para, semidespidas, desfilarem enregeladas ao som de sambas importados. Os homens, que passam o ano a homofobicamente escarnecer de tudo o que seja vagamente transgénero, assaltam os armários das mulheres para se embelezarem com vestidos, maquiagens, saltos altos, pelos a sair dos collants e rolos de papel higiénico a fingir de seios. Mas isto é no Carnaval, porque no resto do ano este é um país onde um político assumir a sua homossexualidade ainda é notícia de 1ª página e 70% dos jovens consideram natural comportamentos violentos na intimidade da relação…
in Açoriano Oriental
Que me perdoem os leitores que vierem ao engano, mas esta não é uma crónica com bolinha vermelha. Esta é uma crónica sobre tolerância e respeito pela sexualidade, a nossa e a dos outros. O carnaval é a celebração dos excessos, por antítese aos jejuns da Quaresma, e está impregnado de sexualidade. Em Portugal, é comum as mulheres despirem-se e os homens vestirem-se… de mulheres. Esta aparente ambivalência sexual dos portugueses é extraordinária. Num país onde, na maioria dos casos, as mulheres são beatas e os homens são canastrões, no entrudo são subitamente acometidos por uma vontade interior de “sair do armário”. As mulheres, que levam a maior parte do ano a esconder o corpo, usam o carnaval para, semidespidas, desfilarem enregeladas ao som de sambas importados. Os homens, que passam o ano a homofobicamente escarnecer de tudo o que seja vagamente transgénero, assaltam os armários das mulheres para se embelezarem com vestidos, maquiagens, saltos altos, pelos a sair dos collants e rolos de papel higiénico a fingir de seios. Mas isto é no Carnaval, porque no resto do ano este é um país onde um político assumir a sua homossexualidade ainda é notícia de 1ª página e 70% dos jovens consideram natural comportamentos violentos na intimidade da relação…
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018
Café Royal LVIII
SATA
A história da SATA foi sempre uma aventura. Mas o que começou com a coragem e ousadia de um grupo de visionários empresários, apostados em criar uma centralidade açoriana, entrou, lentamente, numa rota agonizante. Como uma aeronave que se lança cegamente no mais violento dos cumulos nimbus. Nos últimos 40 anos, a companhia transformou-se num imenso tabuleiro de jogos políticos. Ao mesmo tempo, internamente, foi sendo tomada pelos interesses pessoais das suas inúmeras chefias. Encurralada num beco sem saída, literalmente como um avião voando sem combustível, a empresa vê-se hoje lançada ao turbilhão selvagem dos mercados. Em face das alternativas, a escolha é a privatização, abandonando-se o interesse público e abraçando o frio e calculista interesse privado, por mais românticos que venham a ser os cadernos de encargos. Num gesto em tudo semelhante aos muitos que foram tomados pelo anterior governo da república, o mais à direita desde a ditadura, que tudo vendeu, sem dó nem piedade. Infelizmente, essa escolha é tomada por um governo do Partido Socialista. Indesculpavelmente, essa decisão é tomada sem plebiscito, ao arrepio do seu programa eleitoral e de governo, como se a vitória em eleições fosse um cheque em branco que tudo permite. No fim, só isso ficará para a História…
in Açoriano Oriental
A história da SATA foi sempre uma aventura. Mas o que começou com a coragem e ousadia de um grupo de visionários empresários, apostados em criar uma centralidade açoriana, entrou, lentamente, numa rota agonizante. Como uma aeronave que se lança cegamente no mais violento dos cumulos nimbus. Nos últimos 40 anos, a companhia transformou-se num imenso tabuleiro de jogos políticos. Ao mesmo tempo, internamente, foi sendo tomada pelos interesses pessoais das suas inúmeras chefias. Encurralada num beco sem saída, literalmente como um avião voando sem combustível, a empresa vê-se hoje lançada ao turbilhão selvagem dos mercados. Em face das alternativas, a escolha é a privatização, abandonando-se o interesse público e abraçando o frio e calculista interesse privado, por mais românticos que venham a ser os cadernos de encargos. Num gesto em tudo semelhante aos muitos que foram tomados pelo anterior governo da república, o mais à direita desde a ditadura, que tudo vendeu, sem dó nem piedade. Infelizmente, essa escolha é tomada por um governo do Partido Socialista. Indesculpavelmente, essa decisão é tomada sem plebiscito, ao arrepio do seu programa eleitoral e de governo, como se a vitória em eleições fosse um cheque em branco que tudo permite. No fim, só isso ficará para a História…
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018
Café Royal LVII
O Circo
A enxurrada de casos jurídicos transformados em notícias de última hora é ofegante e embriaga. Foi a Raríssimas, os bebés da IURD, bilhetes para a bancada VIP do estádio da luz, uma mulher assassinada depois de apresentar queixa por violência doméstica no Ministério Público, pop stars da magistratura suspeitos de vender sentenças, entre tantas outras parangonas da mesma laia num caleidoscópio inebriante e em que se mistura tudo e todos como se todo o país fosse habitado por arguidos. Pelas nossas ilhas é auditorias, comissões de inquérito, Asclépios e Arriscas. Se bem que estes dois são basicamente a mesma coisa. Hoje em dia, seguir as notícias, é mais ou menos como deitar de costas no balcão da tasca e enfiar por um funil pela goela abaixo não sei quantas garrafas de álcoois diferentes. O que vale é que no dia seguinte, contorcemo-nos com dores, mas não nos lembramos de nada. O problema disto tudo não está nas investigações, nem, tão pouco, nas notícias. Está, isso sim, na mistura entre as duas. Essa sangria barata feita de vinho de cheiro e gasosa entre casos de justiça e justiça feita nas televisões é que transforma o país num circo cheio de domadores, palhaços e malabaristas e em que nós, os cidadãos, somos tratados como bestas amestradas.
in Açoriano Oriental
A enxurrada de casos jurídicos transformados em notícias de última hora é ofegante e embriaga. Foi a Raríssimas, os bebés da IURD, bilhetes para a bancada VIP do estádio da luz, uma mulher assassinada depois de apresentar queixa por violência doméstica no Ministério Público, pop stars da magistratura suspeitos de vender sentenças, entre tantas outras parangonas da mesma laia num caleidoscópio inebriante e em que se mistura tudo e todos como se todo o país fosse habitado por arguidos. Pelas nossas ilhas é auditorias, comissões de inquérito, Asclépios e Arriscas. Se bem que estes dois são basicamente a mesma coisa. Hoje em dia, seguir as notícias, é mais ou menos como deitar de costas no balcão da tasca e enfiar por um funil pela goela abaixo não sei quantas garrafas de álcoois diferentes. O que vale é que no dia seguinte, contorcemo-nos com dores, mas não nos lembramos de nada. O problema disto tudo não está nas investigações, nem, tão pouco, nas notícias. Está, isso sim, na mistura entre as duas. Essa sangria barata feita de vinho de cheiro e gasosa entre casos de justiça e justiça feita nas televisões é que transforma o país num circo cheio de domadores, palhaços e malabaristas e em que nós, os cidadãos, somos tratados como bestas amestradas.
in Açoriano Oriental
quinta-feira, 25 de janeiro de 2018
Café Royal LVI
Pontes
O distanciamento entre Madeira
e Açores é tanto geográfico como histórico. Mas, paradoxalmente, os contactos
entre os dois arquipélagos foram sempre muitos e variados, começando mesmo no
dealbar do seu povoamento. Primeiramente habitada, é na ilha da Madeira que
terão origem algumas das primeiras capitanias açorianas, da mesma forma que ao
longo dos séculos foram os Açores o celeiro da Madeira. No entanto, a
característica fundamental da relação entre os dois arquipélagos é a disputa
entre si pela afirmação de cada um aos olhos da metrópole. Podemos até dizer
que é esse, ainda hoje, o ponto primeiro do diálogo entre estas duas realidades
arquipelágicas. Porém, à luz dos novos tempos, indica-nos a razão ser urgente a
construção de pontes sólidas entre estas duas latitudes, há tanto desavindas. Pontes
na mobilidade aérea e marítima, na representação europeia, nos domínios
comercial, empresarial, turístico, ambiental, etc. São incontáveis os interesses
comuns. Mesmo a afirmação da MACARONÉSIA como realidade simbólica e política
transnacional, com afirmação europeia, só ocorrerá verdadeiramente quando
Açores e Madeira estreitarem essas pontes. Esperemos que seja isso o que brotará
dos apertos de mão que, por estes dias, trocaram Vasco Cordeiro e Miguel
Albuquerque.
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